O recente deferimento parcial da recuperação judicial do grupo Neoin Construção e Incorporação não representa uma vitória — é um alerta sobre o uso distorcido da lei. A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que concedeu o benefício a apenas parte das empresas, evidencia um padrão já conhecido em operações fraudulentas: a tentativa de transformar a recuperação judicial em escudo contra a responsabilização penal.
É importante ressaltar que a recuperação judicial não apaga crimes, não devolve dinheiro e não reescreve a história de quem enganou milhares de pessoas. O instituto foi concebido para empresas viáveis, com atividade econômica real, que enfrentam crises passageiras. Não foi criado para grupos que se estruturam sobre captação irregular de recursos e promessas artificiais de rentabilidade.
O chamado stay period de 180 dias — que suspende execuções civis e busca garantir fôlego financeiro à empresa — não se estende à esfera penal. Nenhum juiz de falência ou recuperação tem o poder de impedir o avanço das investigações criminais, o bloqueio de bens ou a persecução do patrimônio obtido mediante fraude.
Durante meses, sustentou-se a narrativa de que “não era hora de buscar advogados”, de que “a situação seria resolvida administrativamente” ou de que “a empresa tinha tudo sob controle”. A decisão do Tribunal desmonta esse discurso e muda completamente o cenário: agora, todos foram lançados para dentro da arena jurídica, onde não há espaço para retórica de marketing ou promessas de bastidor.
É nesse terreno — técnico, criminal e probatório — que se trava a verdadeira disputa. A partir deste ponto, a única força que se impõe é a do Direito.
Enquanto a recuperação judicial tenta organizar papéis e cronogramas, a investigação penal segue viva e imune à blindagem da recuperação judicial É na esfera criminal que se rastreia o dinheiro, se identificam os beneficiários e se promovem bloqueios capazes de reparar, ainda que parcialmente, o dano causado às vítimas.
O caso Neoin expõe uma contradição eloquente: a mesma estrutura que, por meses, tentou afastar investidores e credores do caminho judicial agora corre para se proteger dentro dele. É o retrato do colapso moral de certos grupos que se travestem de legalidade enquanto clamam por proteção da Justiça.
Mas o Direito não é refúgio de fraude. A lei não foi feita para socorrer quem transformou a enganação em modelo de negócio. O deferimento parcial da RJ, ao contrário do que se alardeia, amplia o espaço para atuação firme do Judiciário e do Ministério Público, sobretudo porque várias empresas do grupo sequer preencheram os requisitos mínimos para o benefício.
A partir de agora, o processo de recuperação — ao invés de blindar — deve servir de instrumento de transparência, permitindo identificar fluxos financeiros, sociedades interpostas e movimentações suspeitas. Cada peça juntada, cada documento contábil apresentado sob a supervisão judicial pode ajudar a desvendar o que realmente sustentou o suposto empreendimento.
O caso Neoin não é sobre construção civil. É sobre reconstrução moral — a de um sistema jurídico que não pode permitir que a boa-fé dos institutos seja sequestrada por quem usa o Direito como biombo para o ilícito.
A recuperação judicial, quando usada de má-fé, é apenas o último ato da fraude. O Direito Penal, nesse cenário, é a última linha de defesa da sociedade. Se a recuperação foi usada como armadura, cabe à Justiça empunhar o martelo que a quebra — e devolver à lei o protagonismo que a fraude tentou usurpar.
*Jorge Calazans
Advogado especializado na defesa de investidores vítimas de fraudes, ativista no combate às pirâmides financeiras e sócio do escritório Calazans e Vieira Dias Advogados
• • • • •
A veracidade dos dados, opiniões e conteúdo deste artigo é de integral responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Capital News |





