Domingo, 22 de Junho de 2008, 10h:50 -
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Pesquisadora da UFMS diz que ampliar área de usinas de álcool é falta de visão ambiental
Da Redação
“O ministro da Agricultura, Reinhald Stephanes já disse que o governo federal vai fazer o zoneamento ecológico e não vai deixar que usinas se instalem no Pantanal e na Amazônia. Se o Brasil não garantir ao mercado internacional que está cuidando dos aspectos sociais e ambientais, não vão querer comprar nosso álcool”, diz a ambientalista, engenheira química e doutora em química, Sônia Corina Hess, de 46 anos. Indagada sobre o projeto do deputado Domingos, ela disse que “insistir nisso é a falta de visão maior, um tiro no pé”. “Se insistirem, os prejuízos serão enormes”.
Riscos
Sônia Hess é professora da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), e também consultora do MPT (Ministério Público do Trabalho) e dos Ministérios Públicos Federal e Estadual do Mato Grosso do Sul. Junto com o procurador do MPT, Heiler Ivens de Souza Natali, 33, vice-coordenador do Núcleo de Prevenção e Enfrentamento das Irregularidades Trabalhistas e Sociais nas Atividades Sucro-alcooleiras em Mato Grosso do Su, ela escreveu um artigo sobre o assunto que foi publicado na íntegra no jornal econômico A Gazeta Mercantil. Leia:
Na última safra, 47% da colheita no Estado de São Paulo foi mecanizada e, no país, estima-se que o corte da cana é mecanizado em não mais do que 25% da produção. No período de safra, os canaviais que são colhidos manualmente sofrem a queima pré-corte, para facilitar o trabalho dos cortadores.
Estudo do professor Francisco Alves, da Universidade Federal de São Carlos, revelou que “a produtividade média do trabalho no corte de cana, que em 1950 era de 3 toneladas de cana cortadas por dia/homem, no final da década de 1990 e início da presente década atingiu 12 toneladas de cana por dia, sendo que os cortadores de cana trabalham sob sol forte, sob os efeitos da fuligem expelida pela cana queimada e trajando uma indumentária que os protege da cana, mas aumenta sua temperatura corporal”.
Segundo apontam este e outros autores, o excesso de trabalho e as condições em que este ocorre explicariam as mortes súbitas, que já vitimaram dezenas de trabalhadores rurais cortadores de cana em São Paulo.
Muitos trabalhos científicos, como os realizados em Piracicaba/SP e Araraquara/SP, ambos por pesquisadores da USP, têm destacado que, em queimadas de biomassa, a combustão incompleta resulta na formação de substâncias potencialmente tóxicas, tais como monóxido de carbono, amônia, metano e o material fino, contendo partículas de alta toxidade - menores que 10 micrometros (PM10).
A inalação dessas partículas em suspensão, cuja média aferida naqueles locais, na época da queima da cana, foi de 103 microgramas por metro cúbico, bem superior ao limite de 80 microgramas estabelecido pela Resolução CONAMA n. 03 de 1990, foi diretamente relacionada ao aumento, no mesmo período, do número de atendimentos de crianças e idosos em hospitais, para tratamento de problemas respiratórios.
Outros estudos realizados por pesquisadores brasileiros apresentaram evidências consistentes sobre os efeitos da poluição do ar, especialmente do material particulado fino, no adoecimento e morte por doenças cardiovasculares, sendo que, tanto efeitos agudos (aumento de internações e de mortes por arritmia, doenças do miocárdio e cerebral), como crônicos, por exposição em longo prazo (aumento de mortalidade por doenças cerebrovasculares e cardíacas), têm sido relatados.
O gás ozônio, formado a partir da reação entre poluentes atmosféricos, foi associado com o risco aumentado de morte prematura, mesmo quando está presente em concentrações muito baixas. Um estudo revelou que, durante a queima da cana-de-açúcar, em torno de 35% do nitrogênio aplicado no solo, na forma de adubo, é perdido para a atmosfera na forma de gases que são precursores do ozônio, representando esta perda não só um risco para a saúde pública mas, também, prejuízo para os produtores rurais.
Os dados acima colocam em evidência que a exposição a poluentes gerados durante o processo de queima da cana-de-açúcar constitui um importante fator de risco, a ser considerado na análise e associação das possíveis causas de adoecimento e morte de trabalhadores dos canaviais e de moradores das cidades próximas a plantações de cana.
A comprovação científica de que o método de produção atual de etanol, praticado no Brasil, é altamente prejudicial à saúde da população das cidades vizinhas às usinas e a constatação técnica, pelos órgãos de fiscalização do trabalho, de que os cortadores de cana encontram-se, por vezes, submetidos a condições aviltantes de trabalho, demonstra a necessidade imperiosa de o Estado Brasileiro exigir das indústrias do setor sucro-alcooleiro aqui instaladas, a adoção de mecanismos de produção condizentes com esta quadra da história.
Desse modo, não se pode mais tolerar a queima da palha da cana como etapa na produção do etanol, nem, tampouco, a submissão dos cortadores de cana a condições desumanas de trabalho, sob pena de a comunidade internacional se aproveitar dessa fragilidade para impor barreiras à aceitação do etanol produzido em nosso território. Fonte: (Rural News MS)