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Opinião Domingo, 17 de Agosto de 2025, 13:23 - A | A

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Opinião

A Fé Que Ilude

Por Wanderson R. Monteiro*

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A situação na qual nosso país se encontra não é das melhores — e isso já não é novidade para ninguém. Atualmente, por inúmeros e diversos motivos, o povo brasileiro tem passado por diferentes problemas, sejam eles financeiros, de saúde, na educação, no emprego, ou em tantas outras áreas que, somadas, nos dão a impressão de que as coisas não estão caminhando como deveriam. Tais dificuldades afetam diretamente nossa vida cotidiana, de modo que é natural o desejo de que tudo mude, que o cenário melhore, e que os problemas que tanto nos afligem passem a ser tristes lembranças de um passado superado.

Esse desejo por mudanças muitas vezes se transforma numa esperança cega e mal direcionada, uma fé deslocada que, em vez de nos conectar com a realidade, nos arrasta para fora dela. Esperamos, então, que tudo mude de uma hora para outra — como num estalar de dedos — por meio de algum avanço científico, revolução social, ou até mesmo pela atuação de um salvador político. Essa expectativa de transformação instantânea, quase mágica, é o que o filósofo alemão Eric Voegelin chamou de fé metastática: a crença numa transfiguração completa e definitiva do mundo por meios humanos.

Segundo Voegelin, a fé metastática imita a estrutura simbólica do Apocalipse, onde um novo céu e uma nova terra são instaurados por ação divina ao fim dos tempos. O erro e a perversão do conceito de fé ocorrem quando essa promessa escatológica é deslocada da esfera transcendente - ou seja, aquilo que só pode ser realizado por Deus - é deslocado para o plano imanente, para dentro da história, da política, da sociedade, como se fosse possível aos homens, por suas próprias mãos, redimir e transformar o mundo, instaurando o paraíso na Terra, passando a crer que, por meio de ideologias, ciência ou movimentos políticos, o mundo será transformado num paraíso terreno. Tal “fé”, por estar tão em desacordo com aquilo que a fé original propõe, acaba se transformando em fonte de desordem, trazendo como consequência exatamente o oposto daquilo que se espera dela.

Como o próprio Voegelin nos adverte, essa forma de crença é uma das principais fontes de desorientação no mundo atual. Porque cria expectativas completamente irreais, que frustram e desorientam as pessoas, tornando-as reféns de promessas que nunca se concretizam. A fé metastática não se baseia na confiança paciente e perseverante, mas na pressa de quem exige resultados messiânicos com prazos humanos. Ela não se expressa como a fé do milagre, mas como a estrutura de uma crença apocalíptica mal compreendida e mal empregada.

O problema é que, quando cultivamos essa ilusão, deixamos de agir onde realmente podemos. Enquanto esperamos por um “grande evento redentor”, seja uma revolução que cure todos os males, uma política que salve a nação, uma tecnologia que resolva os dilemas da existência, ou um grande “salvador”, negligenciamos as pequenas ações que poderiam, aos poucos, melhorar a realidade. A fé metastática nos separa do presente, por nos fazer focar num futuro ilusório, ela nos impede de ver o mundo como ele realmente é, e nos lança num delírio coletivo que agrava os nossos problemas ao invés de resolvê-los.

A verdadeira fé nos conecta com a realidade concreta e nos dá forças para enfrentá-la com lucidez e responsabilidade. Trata-se de uma fé que se constrói não na negação do mundo, mas no reconhecimento corajoso da estrutura que o forma, de seus limites e de sua abertura àquilo que é transcendente. A fé metastática, pelo contrário, nos promete a plenitude sem esforço, o paraíso sem cruz, a redenção sem arrependimento, e, sendo assim, não passa de uma caricatura da esperança e da fé cristã.

Diante dessa realidade, precisamos reconhecer os limites da ação humana. A transformação total e definitiva do mundo virá, mas não será pelas mãos do homem. Confundir isso é trocar a fé pelo fanatismo, é trocar a esperança pela ilusão, e a verdade pela utopia. Não precisamos negar os avanços humanos ou a importância da ação política ou científica, mas compreender que nenhum sistema terreno pode redimir a alma humana ou restaurar completamente a ordem do mundo, ou do ser.

Precisamos de uma fé que não fuja da realidade, porque a fé que não enxerga a verdade se torna mais perigosa do que a descrença. E uma esperança enganosa não vai nos levar a melhorias ou mudanças profundas, mas a um futuro ainda mais difícil.


*Wanderson R. Monteiro,
Autor de São Sebastião do Anta – MG.
Dr. Honoris Causa em Literatura e Dr. Honoris Causa em Jornalismo.
Bacharel em Teologia, graduando em Pedagogia.
Acadêmico correspondente da FEBACLA. Acadêmico fundador da AHBLA. Acadêmico imortal da AINTE.
Autor dos livros “Cosmovisão em Crise: A Importância do Conhecimento Teológico e Filosófico Para o Líder Cristão na Pós-Modernidade”, “Crônicas de Uma Sociedade em Crise”, “Atormentai os Meus Filhos”, e da série “Meditações de Um Lavrador”, composta por 7 livros.
Autor de 10 livros.
Vencedor de 4 prêmios literários. Coautor de 15 livros e 4 revistas.
(São Sebastião do Anta – MG)

 

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