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Opinião Sexta-feira, 11 de Julho de 2025, 18:15 - A | A

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Opinião

RAIZ EM BONN: O protagonismo do Brasil na agenda agroambiental global rumo à COP30

Por Luís Eduardo Pacifici Rangel*

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Como a iniciativa RAIZ, o debate fiscal sustentável e os novos caminhos de financiamento climático colocaram o Brasil no centro das discussões sobre agricultura, clima e segurança alimentar na SB62

Introdução

Entre os dias 16 e 28 de junho de 2025, as negociações climáticas da UNFCCC no âmbito da 62ª Sessão dos Órgãos Subsidiários (SB62) foram realizadas em Bonn, Alemanha. Esse é um momento de debates técnicos, articulações políticas e construção de pontes entre ciência, políticas públicas e cooperação internacional. Com uma agenda de negociação relativamente estacionada no tema da agricultura, o principal destaque da missão foi o lançamento da agenda de ação do Brasil que possui 30 objetivos chaves, como destacado durante o evento pela CEO da COP30, Ana Toni. Entre esses objetivos está “Land restoration and sustainable agriculture”, modelada como a iniciativa brasileira RAIZ (Resilient Agriculture Implementation for net-Zero Land Degradation), na agropecuária.

Acompanhar essa agenda internacional nos obriga a uma reflexão sobre como o Brasil tem ganhado protagonismo ao propor soluções concretas e integradas para enfrentar os desafios globais da segurança alimentar, da restauração de paisagens e das mudanças climáticas.

Destacamos alguns eventos e iniciativas relevantes para a discussão na agropecuária durante as duas semanas do evento.

1. Workshop sobre Abordagens Sistêmicas e Holísticas para Agricultura, Clima e Segurança Alimentar (17/06)

Promovido como parte dos workshops técnicos da UNFCCC, o evento contou com a participação de representantes de agências internacionais como o GEF, o Banco Mundial, o Green Climate Fund (GCF) e o Adaptation Fund, que compartilharam experiências e dados atualizados sobre investimentos em agricultura resiliente. O painel discutiu como estratégias integradas podem acelerar a implementação dos compromissos climáticos no setor agrícola.

O Brasil teve oportunidade de apresentar sua abordagem para o enfrentamento das mudanças climáticas utilizando para isso políticas públicas baseadas em ciência como no caso do Plano ABC+.

Entretanto, nas discussões climáticas internacionais, uma pergunta persiste: quando agir para reduzir emissões? Devemos investir de forma agressiva agora ou esperar por tecnologias mais baratas e eficientes no futuro? O artigo “Marginal Abatement Cost Curves and the Optimal Timing of Mitigation Measures” do Banco Mundial oferece abordagens valiosas sobre essa questão, ao combinar teoria econômica com modelos aplicados de custos marginais de abatimento (MACCs, na sigla em inglês).

As Curvas de Custo Marginal de Abatimento mostram, em essência, quanto custa evitar uma tonelada de CO₂ equivalente por meio de diferentes tecnologias ou práticas. Elas são uma ferramenta gráfica que ordena as opções de mitigação da mais barata (ou lucrativa) à mais cara. Muitas vezes, as primeiras opções da curva — como eficiência energética, reflorestamento ou manejo sustentável de solos — são de baixo custo ou até têm retorno positivo.

Podemos perceber aplicações práticas para o Brasil, como:

Agricultura e uso da terra: O Brasil tem opções de abatimento de baixíssimo custo (ou até custo negativo), como a recuperação de pastagens degradadas ou a integração lavoura-pecuária-floresta. No entanto, a implementação ainda é lenta. A lição do estudo é clara: o momento certo para escalar essas soluções é agora, antes que outras trajetórias menos sustentáveis se consolidem.

Infraestrutura e energia: Investimentos em novas usinas térmicas ou rodovias sem avaliação de risco climático podem comprometer a trajetória de baixo carbono. Mesmo que a transição energética pareça cara hoje, o artigo mostra que o custo da inação será maior no futuro.

Planejamento público: As MACCs devem ser integradas aos planos setoriais brasileiros, como o Plano ABC+ e a nova Estratégia para Neutralidade Climática que será apresentada pelo novo Plano Clima na COP30. A análise de custo de abatimento deve ser dinâmica, levando em conta aspectos como mudança tecnológica, financiamento internacional e benefícios socioambientais.

Entretanto, para antecipar medidas de mitigação mais caras, são necessários instrumentos financeiros adequados, como:

• Créditos climáticos com reconhecimento de benefícios futuros;
• Mecanismos de pagamento por resultado (results-based finance);
• Regulações que internalizem os custos das emissões no curto prazo (como precificação de carbono).

2. Sessão da Parceria FAST: Financiamento Climático para Sistemas Alimentares (18/06)

A Parceria FAST (Financing Agroecological Solutions at Scale for Transformation), lançada na COP27, promoveu uma sessão pública com o objetivo de dialogar com países, bancos multilaterais e organizações da sociedade civil.

Participação irrisória nos fluxos financeiros globais: Os sistemas agroalimentares recebem apenas uma fração mínima do total do financiamento climático rastreado em nível de projeto. Em 2020 e 2021, houve uma queda significativa no financiamento climático voltado ao setor.

Alta dependência e responsabilidade climática: Os sistemas alimentares estão entre os setores mais vulneráveis às mudanças climáticas, sendo responsáveis por até 37% das emissões globais de gases de efeito estufa, o que os torna simultaneamente vítimas e agentes do aquecimento global.

Déficit de financiamento para a transição: Para alinhar os sistemas agroalimentares globais com a meta de aquecimento de 1,5°C, o custo estimado é de mais de US$ 1 trilhão por ano. Isso significa que os fluxos de financiamento climático ao setor precisam ser multiplicados por 12 em relação aos níveis atuais.

Durante a sessão, o Brasil pode apresentar pela primeira vez a iniciativa RAIZ, ressaltando a importância de se alinhar recursos financeiros com metas de regeneração de paisagens, inclusão produtiva e fortalecimento institucional.

3. Agenda de ação RAIZ: Uma Proposta Brasileira para Ação Climática Agropecuária

Coordenada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), a RAIZ não deve ser chamada de iniciativa pois propõe a construção de um arcabouço técnico e institucional para apoiar a implementação de práticas agropecuárias regenerativas. A proposta parte de um tripé conceitual: (i) conservar e restaurar ambientes naturais; (ii) recuperação de áreas e agricultura resiliente; e (iii) acesso equitativo de alimentos para todos.

Durante o evento em Bonn, apresentamos um documento técnico da RAIZ em reuniões bilaterais com organismos como a WFO (World Farms Organization) e o Banco Mundial. A iniciativa busca se articular com mecanismos de financiamento existentes, canalizando recursos para ações concretas no território. Também prevê o uso de indicadores de sucesso e instrumentos de MRV (Monitoramento, Relato e Verificação) alinhados às metas climáticas. A receptividade foi notável. Países como Alemanha, Canadá, Reino Unido, Austrália, Japão, Mongólia, Fiji, Quênia, EAU e Armênia manifestaram interesse em colaborar com a RAIZ.

O que é a RAIZ?

RAIZ, como acrônimo, já traz a perspectiva de implementação de ações voltadas a recuperação de áreas degradadas. Essa abordagem reflete as recentes políticas públicas como o Caminho Verde Brasil com foco em garantir segurança alimentar, reduzindo a pressão pelo desmatamento. O diferencial da RAIZ é justamente articular as três convenções do Rio — Clima (UNFCCC), Biodiversidade (CDB) e Combate à Desertificação (UNCCD) — com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). A iniciativa alinha-se a metas como: O marco global da biodiversidade de Kunming-Montreal, que busca restaurar pelo menos 30% dos ecossistemas degradados até 2030; O Global Stocktake da UNFCCC, que demanda soluções multissetoriais e baseadas na natureza; as metas da UNCCD, que apontam para a neutralidade da degradação do solo até 2030.

A proposta consiste em articular stakeholders, governos, instituições financeiras, produtores, setor privado e sociedade civil, conectando e potencializando iniciativas já existentes para restaurar terras com alto ou médio potencial produtivo, com base em evidências científicas e sistemas sustentáveis de produção.

Conforme destaca o documento base da RAIZ, mais de 1,6 bilhão de hectares agrícolas estão degradados no mundo. No Brasil, a estimativa é de cerca de 109,7 milhões de hectares de pastagens degradadas, afetando diretamente a produtividade, a segurança alimentar e as emissões do setor agropecuário. A perda econômica global associada à degradação já ultrapassa US$ 15 trilhões por ano em serviços ecossistêmicos, segundo o IPCC.

4. Painel sobre Digitalização na Pecuária e Emissões de Metano (24-25/06)

O painel organizado pela iniciativa LD4D/CCAC intitulado “The Role of Digital (Extension) Services for Livestock on Tackling Methane Emissions: current trend, investment challenges & Solutions Pathways” foi uma oportunidade para entender para escalar as probabilidades do uso de ferramentas digitais para extensão rural e coleta de dados para uma pecuária mais sustentável.

O Brasil tem avançado na incorporação de tecnologias digitais tanto na extensão rural como na rastreabilidade ambiental da produção pecuária. No entanto, ainda há barreiras significativas à adoção em larga escala: conectividade rural limitada, capacitação técnica dos produtores e financiamento específico para inovação digital. Esses também são fatores que afetam outros países do sul global e que devem ser enfrentados conforme suas especificidades.

Os desafios estão na ampliação dos investimentos privados em soluções digitais voltadas à mitigação das emissões de metano. Porém, sem um sinal de preço de carbono claro para o setor pecuário, o retorno econômico desses investimentos ainda é incerto. Além disso, é necessário que fundos climáticos reconheçam a importância da pecuária sustentável e digitalizada no contexto dos países em desenvolvimento.

A coleta de dados por ferramentas digitais, se bem orientada, pode contribuir não apenas para o monitoramento climático, mas também para a formulação de políticas públicas mais responsivas e territorializadas.

5. Side Event YOUNGO + TAPP + MAPA: Tributar ou Subsidiar? O Debate sobre Fiscalidade Sustentável (26/06)

Em um evento paralelo oficial em parceria com a juventude da UNFCCC (YOUNGO) e a True Animal Protein Price Coalition (TAPP) o Brasil debateu sobre instrumentos fiscais e financeiros para promover sistemas alimentares sustentáveis. O recente surgimento de modelos de tributação por pegada de carbono, principalmente na Europa, levou a questionamentos se esse processo se estenderia para o mundo.

Entretanto, em que pese a nova regra tributária brasileira estar aberta a abordagens ambientais em modelos de indução de comportamento como no caso dos impostos extrafiscais, defendemos que deve haver um mecanismo de ajuste fiscal baseado em indicadores ambientais auditáveis. Assim, com alíquotas diferenciadas de imposto sobre valor agregado seria possível incentivar práticas produtivas de baixo impacto ambiental, orientado pela própria cadeia produtiva, como já comprovadamente eficiente em alguns casos no Brasil (ICMS Ecológico e Programa Mais Leite Saudável).

O Brasil deixou claro sua posição sobre como impostos em modelos Pigouvianos, com comprovada eficiência em setores industriais, precisam ser analisados de maneira cuidadosa no setor de produção de alimentos, sob risco de comprometermos a segurança alimentar em detrimento de uma melhora nos indicadores de emissões da agropecuária.

Conclusão

A SB realizada em Bonn é uma etapa preparatória para a COP. Essa em especial, foi um espaço onde o Brasil demonstrou seu compromisso com soluções que integram clima, alimentos e justiça social. O debate sobre agricultura nas negociações não teve muito protagonismo e, por muitos anos tem sido periférico. Entretanto, nas agendas de ação está hoje no centro das atenções.

Não podemos deixar de relatar a ansiedade de todas as delegações acerca das dificuldades logísticas, principalmente relacionadas a acomodações, que estão ocorrendo para a COP30 de Belém. A pressão por respostas e eventual intervenção do governo foi muito intensa e declarada por dezenas de delegações, especialmente de observadores (ONGs).

Fora o desafio logístico, agora é trabalhar para implementar a RAIZ e demonstrar seu potencial efetivo de conexão de projetos e investimentos para a redução da pressão pela mudança do uso do solo e conectá-la a fim de promover inciativa como o FAST da FAO. Em última instância o Portal de Sharm el-Sheikh, que visa a implementação de ações climáticas na agricultura e segurança alimentar, compartilhará as informações sobre projetos, iniciativas e políticas sobre ações climáticas relacionadas à agricultura e à segurança alimentar.

É de fato uma agenda de implementação. A fase de planejar e ter ideias inovadores continuará seguindo, mas é hora de ação. E o Brasil está assumindo essa agenda.


*Luís Eduardo Pacifici Rangel
Membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Engenheiro Agrônomo, Ex-Secretário de Defesa Agropecuária e Ex-Diretor de Análise Econômica e Políticas Públicas do MAPA

 

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