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Saúde Quinta-feira, 16 de Julho de 2009, 10:04 - A | A

Quinta-feira, 16 de Julho de 2009, 10h:04 - A | A

Instituições da área de Saúde realizam manifesto para tentar proibir venda de álcool líquido

Marcelo Eduardo - Redação Capital News (www.capitalnews.com.br)

O Sinmed (Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul) realiza manifestação para tentar vetar o retorno da venda de álcool líquido ao lembrar sobre o risco de queimaduras acidentais provocadas pelo produto. O ato desta quinta-feira, é realizado até o meio-dia, na praça Ary Coelho, no centro da Capital.Há presença de grupo teatral, Corpo de Bombeiros e Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e representantes das secretarias municipal e estadual de Saúde. Além disso, alunos de cursos técnicos de enfermagem aferem a pressão das pessoas que vão ao local.

Um abaixo assinado é disponibilizado à população que for ao local para que seja colocada à venda apenas a versão em gel do álcool.

Causa

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) vetou a comercialização de álcool líquido. Somente a venda dele em gel estava prevista. Isso foi em 2002, quando da resolução número 465. O prazo para que os estabelecimentos retirassem o produto proibido das prateleiras de todo o Brasil era de seis meses. O período era o mesmo para que os fabricantes se adaptassem às novas exigências. Dados da Anvisa apontam que o índice de acidentes no País pode ter baixado cerca de 60% desde então.

Todavia, os comerciantes e empresas sucroalcooleiras reverteram a norma na Justiça e, em 2009, o álcool líquido (acima de 46º INPM) voltou a ser comercializado sem restrições.

Conscientização

Dercy de Souza, 65 anos, sabe bem o que é sofrer com queimaduras. Ela não sentiu na pele, mas viu sua filha se queimar. “Não chegou a ser tão grave, mas, ela, brincando de casinhha pegou o álcool sem em perceber e se queimou ao ‘acender o fogãozinho’. Hoje, ela já está mulher, e não leva muitas marcas, mas eu fiquei desesperada. Mas, há alguns anos, meu cunhado – médico, veja só –, foi fazer churrasco, usou álcool e se queimou nas pernas. Ficou em carne viva. Ficou muito tempo fazendo curativo e ainda guarda algumas marcas. Por isso, acho que é muito importante acabar com este álcool, que é perigoso.”

Miguel Rodrigo Gody, com a sabedoria adquirida em 94 anos de vida, chega ao local do evento andando meio apressado e de repente se depara com as técnicas em enfermagem e aproveita para aferir (medir) a pressão. Está 12 por 8, considerada ideal. “’Tô novo e forte ainda, não?!”. “Está sim”, responde a enfermeira.

A audição já não é a mesma do tempo de garoto, mas, os conselhos que dá são bem ouvidos. “É perigoso. Melhor não ficar perto”, fala sobre o álcool líquido.

Para a estudante do curso de técnica de enfermagem da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Candida Chaves, está é “uma oportunidade parra aprender e ajudar”. “ Nossa coordenação convidou a gente. Eu vim porque é uma forma de contribuir. Acho muito bom. Estou no curso há um ano. Aqui, é um aprendizado a mais e a gente ajuda. Eu mesma ainda não presenciei queimaduras, não cuidei de ninguém assim, mas ouço falar muito sobre isso e sei da gravidade.”

Alerta

O evento desta quinta é um alerta feito pelas entidades envolvidas no socorro e tratamento de pessoas feridas pelo produto, acreditam os organizadores.

Conforme a OMS (Organização Mundial da Saúde), cerca de 830 mil pessoas no mundo sofrem queimadura anualmente, 30% delas devido ao álcool. No Brasil, são 6 mil por ano, e, também, 30% deles vítimas do álcool.

Para o tenente-coronel bombeiro militar Sidnei Ribeiro da Cruz, a proibição imediata da venda do álcool em sua forma líquida “diminuirá certamente” o índice de queimaduras. “Nós não temos um dado específico sobre os casos em Campo Grande ou em Mato Grosso do Sul, mas podemos afirmar que um número imenso é provocado pelo álcool líquido. Veja como o caos é grave... Finalizei há pouco tempo uma pesquisa que aponta que 60% dos nossos bombeiros da Capital têm ao menos uma pessoa com queimadura em sua família. Na cidade, são 600 bombeiros. Esse número é alarmante.”

A questão de até no convívio de quem deve proteger existe casos como estes demonstra que a situação é preocupante, acredita o tenente-coronel Ribeiro. “Isso mostra que é preciso ter uma postura de prevenção. O gel tem chances muito inferiores de provocar queimaduras. Ele não se projeta no ambiente, fica restrito ao local que cai, diferente do álcool, que se propaga, pois é inflamável”, explica.

Gravidade

Diversas situações de pessoas com graves queimaduras – provocadas principalmente pelo uso incorreto do álcool líquido – foram presenciadas pelo médico pediatra João Ribeiro, secretário administrativo do Sinmed, um dos coordenadores da campanha em Mato Grosso do Sul. Ele atua na Santa Casa da Capital.

“Como pediatra da terapia intensiva, nós tivemos contato direto com essas crianças, vítimas desses acidentes. Mesmo elas sendo minoria com relação ao número de adultos que se queimam, são a parte que nos toca mais”, conta.

O médico relata uma das várias histórias do uso indiscriminado do álcool que acabaram por ferir uma criança. “Foi o ano passado. Uma menininha de quatro anos, da região de Dourados, teve 40% do corpo queimado. Os pais estavam fazendo um jeijiskan [tipo de “churrasco” feito em chapa]. O pai usou álcool para aumentar o fogo e ela, correndo, bateu e o álcool cai sobre ela e despertou o fogo. Partes do rosto e do abdômen [barriga] foram queimadas”, conta.

“Por isso, é importante a prevenção acima de tudo”, enfatiza o pediatra. “Na Santa Casa, só em 2008 foram 90 pessoas internadas por conta de queimaduras; 22 por causa de álcool líquido”.

“Nossa busca é para que seja aprovada a lei 692/2007 de autoria do senador Antonio Valadares, que retira do mercado o álcool líquido. O abaixo-assinado – do qual esperamos 300 mil assinaturas – deve ir para os postos de saúde da Capital e parra a Santa Casa e ficará até atingirmos a meta, Depois, enviaremos para a organização nacional da campanha. Estamos marcando para agosto audiências públicas na Câmara dos Vereadores e na Assembleia Legislativa”, relata.

Prevenção

O tenente-coronel Sidnei Ribeiro explica medidas eu devem ser tomadas para evitar acidentes domésticos que possam vir a provocar queimaduras, em crianças principalmente. Confira:

Evite crianças próximas enquanto estiver cozinhando – com elas no colo, então, nem pensar; coloque os cabos das panelas no fogão para dentro; utilize preferencialmente as bocas de trás do fogão; mantenha produtos inflamáveis fora do alcance de crianças, de preferência, em gavetas trancadas; não use álcool líquido, ou qualquer outro, para avivar o fogo, ou para limpeza; para limpeza, existe produtos muito melhores e específicos para isso e para avivar o fogo, melhor que seja óleo de cozinha, por exemplo.

Desde o começo

Muita história tem para contar a enfermeira especialista em urgência e emergência Simone Sanches. Ela atua no Samu há quatro anos, desde o seu início. “A gente estava muito ansioso. Ficávamos em um pelotão dos Bombeiros. Éramos três naquele primeiro plantão, em 17 de abril de 2005”, lembra.

Embora atenda casos considerados de maior gravidade, ouve várias histórias dos colegas com relação às queimaduras. “Não há uma semana em que o Samu não atenda ocorrências deste tipo, infelizmente. A maioria é com adultos que fazem aqueles churrascos com latinha de leite ninho ou os jeijiskans com o álccol”, afirma.

Arte para informar

O grupo teatral Caras de Pau trabalha com educação e comunicação, vai a escolas e empresas para tentar expor opiniões de forma animada conceitos sobre cultura, educação, cidadania e saúde. “Estamos aqui aderindo à esta campanha de terminar com a venda indiscriminada da venda de álcool líquido”, diz Thathy D. Meo, membro do grupo.

“O custo beneficio do uso do álcool líquido é sempre prejuízo”, diz Cleber Dias, também do Caras de Pau.

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