Campo Grande 00:00:00 Domingo, 28 de Setembro de 2025


Preciso te contar uma história Domingo, 28 de Setembro de 2025, 13:42 - A | A

Domingo, 28 de Setembro de 2025, 13h:42 - A | A

Coluna Preciso te contar uma história

O Caso Maximillian Sheldon: Pelo Olhar de Elisa Becker

Por Bruno Andrade

Da coluna Preciso te contar uma história
Artigo de responsabilidade do autor

“Conto inspirado no conto que foi inspirado na música Maximillian Sheldon, da banda Ultraje a Rigor.”

IA, prompt por Bruno Andrade

ColunaPrecisoTeContarUmaHistoria

..

Ah, a chuva no Amambaí. Sempre chovendo nesses contos noir, né? Como se o céu das cidades desses contos policiais tivessem um contrato vitalício com o departamento de efeitos especiais para tornar tudo mais dramático. Eu, Elisa Becker – loira fatal, vestido vermelho colado no corpo como uma segunda pele molhada – estava ali, parada na porta do escritório daquele detetive, olhando para a placa enferrujada que dizia "Maximillian Sheldon – Investigador Particular". Relutante? Ah, você nem imagina. Meu coque frouxo já estava virando uma bagunça aquática, o batom borrado parecia ter sido aplicado por um pintor abstrato bêbado, e meus saltos afundavam na poça como se o chão quisesse me engolir. "Por que eu tô fazendo isso?", pensei, enquanto o vento uivava como um lobo solitário em filme B. Porque, claro, todo detetive noir precisa de uma cliente misteriosa para entrar na trama. Clichê número um: check.

Empurrei a porta com o ombro, porque, vamos combinar né, bater seria muito civilizado para o gênero. O escritório era o de sempre: mesa bagunçada, pés em cima dela, um copo de cachaça que cheirava a arrependimento matinal. Ele – Maximillian Sheldon, o cara com nome de vilão de quadrinhos – nem se mexeu. Olhos fixos em mim, como se eu fosse o próximo caso a ser arquivado.

— "Seu nome?", ele perguntou, com aquela voz rouca de quem fuma dois maços por dia e lê Dashiell Hammett no café da manhã.

— "Elisa. Elisa Becker. E eu... preciso de ajuda com um homem."

Ah, que originalidade, Elisa. Sempre um homem, né? Sentei, cruzei as pernas – porque toda femme fatale faz isso para adicionar tensão sexual ao ar enfumaçado – e entreguei o maço de fotos. Todas dele mesmo, Maximillian Sheldon, posando com seu terno riscado, olhar arrogante, como se fosse o rei do noir.

— "Ele me investiga. Persegue. Sabe onde moro, com quem ando, o que como. Disse que sou suspeita de um crime que nem aconteceu."

Mentira? Talvez. Mas no noir, a verdade é como a chuva: cai quando convém.

Ele suspirou, clássico. Eu via nos olhos dele uma mistura de tédio e curiosidade, como se eu fosse o enredo de uma novela das onze que ele já sabia o final.

—“Você quer que eu o investigue?” Pergunta óbvia.

— “Quero que … ele pare. Ou … Pausa dramática. Tempo para um samba imaginário tocar ao fundo, enquanto a chuva batia na janela como um baterista entediado … que desapareça.”

Os dias seguintes foram um mergulho em esgoto – dele, ou meu? Ele fuçava o loft no Itatiaia, com decoração escandinava que parecia saída de catálogo da Tok Stok para detetives depressivos. Tinha dossiês sobre todo mundo: juízes, pastores, traficantes. Parecia que tinha escutas em mim, meus e-mails vasculhados, mensagens com versos de Bukowski e ameaças veladas. Obsessão pura. Doentia. E eu, esperando no apartamento, servindo café frio e pensando: “Esse vestido vermelho de novo? Sério, Elisa, varia o figurino, isso tá virando uniforme de clichê.”

Voltei ao Amambaí, chuva de novo – porque, óbvio, o clima não muda nesses contos. Ele entrou, eu servi café, falei sem rodeios:

— “Ele não vai parar. Acha que está me salvando de mim mesma. Como se eu fosse uma equação que ele precisa resolver. Eu sou só uma mulher. E ele é um homem que não sabe lidar com o que sente.”

Com um humor cínico: eu ali, jogando o envelope com dez notas de quinhentos na mesa.

— “Você quer que eu o mate?” Ele perguntou.

Eu não respondi. Só pensei: “Que roteiro previsível”.

Próximo passo: encontro no bar."

E lá fomos nós para o Bar do Gomes. Ele bebendo sozinho, rabiscando guardanapo como se fosse um poeta maldito.
A conversa:

— “Investigando por conta própria, Sheldon?”

Ele ri seco. - “Sempre nas sombras.”

Começou uma troca de farpas, como em todo filme noir que se preze.

— “Eu sou tudo o que você teme ser.”

E bum: a revelação. Maximillian Sheldon era ... eu? Não, espera. Eu sou Elisa Becker, a loira perseguida. Mas quando ele apontou a arma para o espelho e atirou, os cacos voaram, e algo estalou na minha cabeça como um flash de câmera velha.

Enquanto o espelho estilhaçava, levando o reflexo arrogante dele, eu – do outro lado da rua, sorrindo por alívio – senti um vazio. As memórias se embaralharam: o vestido vermelho era meu ou dele? As fotos, a perseguição – tudo parte de uma mente fragmentada. Elisa Becker não era a vítima; era uma das múltiplas personalidades de Maximillian Sheldon, a faceta vulnerável, a mulher que ele inventava para lidar com sua própria fragilidade. O tiro não matou só o inquisidor; revelou que eu era a projeção dele, a loira que existia para equilibrar o caos interno.

— "Eu sou... ele?", murmurei, atravessando a rua em direção aos estilhaços, pisando nos pedaços da ilusão. O bar continuou, os bêbados nem notaram – clichê final. Desde aquela noite, a cidade nunca mais viu Maximillian Sheldon inteiro. Nem Elisa Becker. Apenas um detetive solitário, com cicatrizes invisíveis e um senso de humor amargo, rindo dos clichês que o prenderam.

Porque, no fim, no noir, o maior mistério é sempre você mesmo.

E eu? Bem, eu ainda uso vestido vermelho – mas agora, só pra rir da chuva.

• Leia também:
“O Caso Maximillian Sheldon”*

 

• • • • •

Bruno Andrade, leitor que resolveu virar personagem e crítico ao mesmo tempo. Viciado em rir da seriedade alheia, pegou o noir, passou na peneira do deboche e temperou com referências musicais. O resultado? Uma Elisa Becker que parece saída de um vinil arranhado de rock nacional.

Comente esta notícia


Reportagem Especial LEIA MAIS