O estado de São Paulo, maior produtor de cana de açúcar do país, já tem 40% do corte de cana mecanizado. A tendência de substituição de mão de obra traz à tona a questão polêmica do desemprego e capacitação dos trabalhadores do corte manual. Cada colheitadeira substitui 100 cortadores de cana e levanta a questão do que vai acontecer com o excedente de mão de obra. Está é uma situação que pode chegar em breve ao Mato Grosso do Sul.
No corte manual, um trabalhador derruba em média, de sete a 12 toneladas de cana por dia. Para alcançar esse patamar, os cortadores se desgastam ao ponto de comprometerem a saúde. Para agravar a situação, nem sempre esses bóias frias recebem os equipamentos de segurança exigidos por lei, assim como, em grande parte dos casos, são submetidos a condições sub-humanas de trabalho.
Outro agravante da situação, é que o corte manual exige a queimada da palha da cana, o que esbarra em questões ambientais, por comprometer a qualidade do ar, do solo e das áreas próximas às plantações.
Com a colheita mecanizada, as queimadas podem ser extintas e os impactos ambientais reduzidos. Por isso, a legislação brasileira estabelece que até 2014 as queimadas sejam eliminadas nas áreas mecanizáveis.
Cortadores de cana terão de migrar para outras funçõesEdison Ustulin, presidente da Comissão Nacional de Cana de Açúcar da Faesp (Federação da Agricultura do Estado de São Paulo), defende que além de eliminar as queimadas, a mecanização também contribuirá para a sustentabilidade da produção. “Também teremos que respeitar e comprovar outras regras ambientais, como as matas ciliares, o que pode garantir o chamado ‘selo verde’ para o nosso setor”, diz.
Segundo Ustulin, o rótulo de escravização, sempre relacionado à produção canavieira, diminui a credibilidade do setor na sociedade. Nesse contexto, para ele, a mecanização é uma saída para resolver esse gargalo. “Com o crescimento da economia do país, a mão de obra fica mais cara e pode até faltar. Por isso, a mecanização é um processo natural”, acrescenta.
Como alternativas para absorver a mão de obra excedente da mecanização, Ustulin lembra que o processo produtivo sucroalcooleiro passa por várias etapas, nas quais os trabalhadores poderiam ser inseridos. Mas, essa realidade só seria possível com capacitação. “Os que têm um nível escolar médio poderiam ser capacitados, mas é impossível absorver todo mundo”, admite.
Edison Ustulin, presidente da Comissão Nacional de Cana de Açúcar da FaespAtualmente, um cortador de cana tem um salário que varia entre R$ 700,00 e R$ 1 mil. A maioria é de origem mineira ou baiana, com baixa escolaridade.
Além da capacitação para outras áreas do processo de mecanização do corte, que Ustulin reconhece haver uma grande dificuldade para ocorrer, ele acredita que esses trabalhadores poderiam voltar para suas regiões de origem em busca de serviço. “Talvez, áreas como a indústria e o turismo ssejam opções”, diz.
Prioridades
Mas, a mão de obra excedente não parece ser a preocupação maior dos produtores de cana. Cada colheitadeira custa, em média, R$ 1 milhão para o produtor. E a utilização da máquina exige outras adaptações dos produtores. “Preparo da terra, plantio de variedades adequadas e o estudo geográfico das áreas com o plantio mecanizado são parte das medidas que o produtor tem de se preocupar ao substituir o corte manual pelo mecanizado”, informa Edison Ustulin, que também é produtor.
Ele ainda lembra que é necessário avançar na tecnologia para que o aproveitamento da cana colhida pelas máquinas seja maior. “É preciso avançar nas pesquisas para aumentar o potencial de colheita em áreas de declive, além de diminuir o desperdício com restos de cana”, ressaltou. Para ele, com o avanço da tecnologia, o preço da colheitadeira também deve baixar, facilitando o produtor a se inserir na mecanização. “Tenho plena convicção que chegaremos a 100% de corte mecanizado, o que vai nos deixar mais competitivos”, afirmou.
Para os representantes dos sindicatos patronais, a mecanização das lavouras de cana também é positiva. De acordo o presidente do Sindicato Rural Patronal de Morro Agudo, Gaspar Carmanhan da Silveira, o município, responsável pela maior produção do estado, já está com 40% do corte de cana mecanizado. Para ele, o trabalhador rural terá tempo para se adaptar à nova realidade. “A mecanização vai entrando gradativamente, então as pessoas podem migrar para outros setores e se adaptar”, diz. No entanto, ele acredita serem necessárias iniciativas governamentais para a qualificação da mão de obra desses trabalhadores.
Gaspar Carmanhan da Silveira, presidente do Sindicato Rural Patronal de Morro Agudo Em Piracicaba, município com a sétima maior produção do estado, 30% da cana foi colhida mecanicamente na última safra. Devido ao relevo acidentado da região, em muitas áreas ainda não é possível o uso de colheitadeiras. O presidente do Sindicato Rural Patronal de Piracicaba, Arnaldo Antônio Bortoletto, também considera a mecanização benéfica, mesmo que haja algumas perdas, já que o corte dessas máquinas ainda não se equipara à eficiência da mão de obra humana.
“A tecnologia tem avançado rápido, já temos colheitadeiras com sensores que permitem melhor aproveitamento da cana. Em alguns anos isso já estará resolvido”, diz. Segundo ele, para amenizar o impacto do desemprego, alguns trabalhadores com mais qualificação foram remanejados para exercerem outras atividades nos canaviais, além de terem sido criados alguns cursos de qualificação profissional no município.
Já as entidades representantes dos trabalhadores preveem que a mecanização trará grande impacto econômico-social. Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jaboticabal, Lineu Nobukumi, a mecanização foi feita de maneira agressiva, desrespeitando regras e afetando diretamente o trabalhador rural. “Como defensor do setor de emprego e renda, nós olhamos isso com muita preocupação, pois esse sistema causa impacto muito grande para o trabalhador, para o sindicato e para o comércio”, destaca.
O município de Jaboticabal tem 71 mil habitantes. Nobukumi estima que 12.200 pessoas trabalhem no corte da cana, incluindo migrantes e moradores do município. Os que já perderam seu posto de trabalho vivem de bicos, principalmente na construção civil, que, no momento, não tem oferecido tantas vagas para atender toda a demanda. “A crise mundial afetou também o setor da construção civil e o pessoal não está absorvendo essa mão de obra”, conta Nobukumi. Para ele, faltam políticas públicas para qualificar os trabalhadores rurais que estão perdendo o emprego nos canaviais.
“Hoje, para dirigir um trator, tem que ter habilitação. Até um passado não muito distante, não havia essa exigência. Com o avanço da tecnologia, raramente o trabalhador consegue atuar nas máquinas”, explica.
Qualificação
O maior problema para os milhares de cortadores de cana que terão seu trabalho substituído pelas colheitadeiras é a falta de capacitação profissional para exercerem outras atividades. Muitos são de origem humilde e migram de outras regiões do país em busca de uma oportunidade profissional, principalmente nas grandes capitais e no interior dos estados, como de São Paulo, por exemplo. A maior parte não concluiu o ensino médio ou fundamental e acaba encontrando no trabalho como bóias frias, uma oportunidade para garantir o próprio sustento e o sustento da família.
Sem o trabalho na lavoura de cana, a alternativa é migrar para a construção civil, que afetada pela crise financeira mundial, não consegue absorver toda a mão de obra disponível.
O município de Morro Agudo, no interior de São Paulo, por exemplo, conta com uma população de pouco mais de 27 mil habitantes. Atualmente trabalham como cortadores de cana, aproximadamente 12 mil pessoas, entre moradores locais e migrantes. Com a mecanização do corte da cana, o município deve sofrer grande impacto econômico e social, já que vai faltar emprego.
Os índices do nível de escolaridade no município mostram que falta qualificação profissional para muitos dos habitantes. Dados disponibilizados no site da Prefeitura Municipal de Morro Agudo mostram que a taxa de analfabetismo da população com idade entre 15 anos ou mais é de 13,62%. Entre os jovens de 15 e 19 anos, 56,4% completaram o ensino fundamental, enquanto apenas 29,4% dos jovens de 20 e 24 anos concluíram o ensino médio. O baixo nível de escolaridade da população não oferece outra alternativa de trabalho à maioria, senão os canaviais.
Precariedade
O piso salarial de um cortador de cana é de R$ 570,00. Incluindo as despesas com transporte e alimentação, esse valor sobe para R$ 750,00, mas pode variar de acordo com a quantidade de cana cortada. Para cada tonelada, o bóia fria recebe R$ 3,34. Em média, uma pessoa consegue cortar entre sete e 12 toneladas de cana por dia, durante uma jornada de trabalho que começa às 7h e termina às 16h.
As condições de trabalho dos cortadores de cana são frequentemente desumanas. Muitos trabalhadores são transportados de casa para as lavouras em caminhões ou ônibus, em precárias condições de segurança. Não são raras as denúncias que o Ministério Público do Trabalho recebe sobre a situação de penúria e escravismo que muitos trabalhadores são submetidos nos canaviais do Brasil afora.
Em 2008, foram libertadas no Brasil 4.418 pessoas que eram mantidas em condições de trabalho análogas à escravidão, segundo números disponibilizados pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). A maior concentração ocorreu onde houve forte expansão da cultura da cana, como em Goiás, Alagoas e Pará. Do total de trabalhadores libertados em 2008, 50% trabalhavam nos canaviais.
Estima-se que 900 mil pessoas trabalhem como cortadores de cana no Brasil. O fato de uma massa de trabalhadores se sujeitar a condições desumanas de trabalho, assim como a dificuldade da maioria conseguir outro emprego devido à falta de qualificação profissional, evidencia o problema social do país e a necessidade de investimento nas áreas de educação, saúde e cultura. (Com informações do Camponews)