De uns tempos para cá, vêm surgindo algumas discussões sobre a relação entre o uso do travessão e os textos gerados por IA.
O curioso nessa história de que “texto com travessão é texto de IA” é que ela revela menos sobre a escrita artificial e mais sobre a precariedade da escrita humana contemporânea. Não é a IA que escreve de forma excepcional, sabendo utilizar recursos incríveis — é a nossa geração que escreve de forma precária, defasada, sem o mínimo conhecimento e domínio de um recurso básico da escrita. Então, ao ver o recurso sendo usado, já logo se grita: “Usou algo que a maioria das pessoas não sabe usar — é IA!”.
É mais fácil acusar o adversário de estar usando hack do que reconhecer sua própria incapacidade e se ver como um incompetente no jogo.
O travessão existe há séculos — ou vai acusar Machado de ter usado IA? —, e esse sinal simples cumpre funções claras: introduzir diálogo, marcar mudança de voz, destacar ideias, criar ritmo. Mas muitos não sabem para que serve, nunca aprenderam a usar e, por isso mesmo, estranham quando aparece. É como se a pontuação mínima se tornasse um sinal de suspeita.
Quando alguém pede à IA que escreva um texto e, ao receber um resultado com travessão, teme ser “descoberto”, o que está realmente acontecendo é outra coisa: a máquina domina um recurso que a pessoa nunca dominou. E esse desconforto evidencia uma verdade incômoda — não é que a IA escreva demais, é que muita gente escreve de menos. O medo não é de parecer artificial, mas de revelar a própria falta de familiaridade com ferramentas básicas da língua. Ou, na verdade, esse medo reside no fato de a pessoa não saber escrever, não ter familiaridade nem costume com a escrita e suas ferramentas e, ao pedir o auxílio da IA para isso, não querer que exista ali algo que mostre que o seu texto foi gerado, e não escrito. Dessa forma, o travessão se torna — para essas pessoas — uma prova que se levanta contra elas mesmas. E, para não serem “condenadas” sozinhas, utilizam a mesma régua como medida para todos os outros textos e pessoas.
No fim, essa paranoia com o travessão diz muito sobre o estado da nossa relação com a escrita. Se um simples sinal gráfico virou “prova de inteligência artificial”, talvez o problema não esteja na tecnologia, mas no abismo crescente entre o que poderíamos saber e aquilo que, infelizmente, deixamos de aprender.
E, se um simples sinal gráfico já serve para jogar no lixo todo o esforço, conhecimento e aprendizado de uma pessoa — taxando tudo isso de IA e servindo de régua e parâmetro de julgamento —, então, talvez, ainda não estejamos preparados para todas as possibilidades que as IAs poderão nos proporcionar.
Hoje, suspeita-se do travessão; amanhã, será o “:”; depois, as próprias aspas em si e, se continuarmos assim, daqui a um tempo o próprio ato de escrever já será suspeito — isso se já não o é.
*Wanderson R. Monteiro
Autor de São Sebastião do Anta - MG.
Dr. Honoris Causa em Literatura e Dr. Honoris Causa em Jornalismo.
Bacharel em Teologia, graduando em Pedagogia.
Psicanalista em formação
Autor dos livros “Cosmovisão em Crise: A Importância do Conhecimento Teológico e Filosófico Para o Líder Cristão na Pós-Modernidade”, “Crônicas de Uma Sociedade em Crise”, “Atormentai os Meus Filhos”, e da série “Meditações de Um Lavrador”, composta por 7 livros.
Acadêmico correspondente da FEBACLA. Acadêmico fundador da AHBLA. Acadêmico imortal da AINTE.
Autor de 10 livros.
Vencedor de 4 prêmios literários. Coautor de 15 livros e 4 revistas.
(São Sebastião do Anta – MG)
• • • • •
A veracidade dos dados, opiniões e conteúdo deste artigo é de integral responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Capital News |



