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Opinião Sexta-feira, 18 de Julho de 2025, 12:13 - A | A

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O Brasil precisa pensar como cadeia produtiva, não como fazenda

Por Maurílio Santos Jr.*

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Nos últimos meses, vivenciamos de perto a realidade moderna do agronegócio: não estamos competindo mais como fazendas, e sim como cadeia produtiva. Quando a safra 2024/2025 de nozes e castanhas produzidas no Brasil — uma cultura intensa em biodiversidade — foi afetada por variações climáticas severas, agravadas pelo fenômeno El Niño, com uma seca que chegou a quebrar 70% da produção nacional de castanhas e elevou em 266% os preços normalmente praticados, além de causar uma quebra de 40% na safra de macadâmia, por exemplo, a reação de uma multinacional de panificação se tornou referência no setor. Ela não passou apenas a buscar fornecedores alternativos, mas também a ouvir quem produz no campo e coleta nas florestas.

Geralmente, as indústrias de alimentos comercializam uma cesta de nuts, e, se o preço fica muito alto ou o produto se torna escasso, elas podem substituí-los por outras sementes oleaginosas em suas receitas, o que prejudica os produtores.

Essa iniciativa recente de gerenciamento de riscos, proposta pela ABNC — Associação Brasileira de Nozes, Castanhas e Frutas Secas —, uniu indústria, produtores rurais, cooperativas e órgãos governamentais, como a Embrapa, para conversar, trocar dados e construir previsibilidades mínimas. Uma emergência que transbordou em insights valiosos para ambas as partes. A indústria passou a enxergar a dor agrícola: mudanças climáticas, a complexidade do extrativismo dos coletores de castanhas na Amazônia, dificuldades em formação de estoques, logística fragilizada e prejuízos nas safras de nozes cultivadas. Mas também identificou valor adicional: a chance de criar melhores contratos com os produtores, desenvolver novos processos de compras e contar essas histórias ao consumidor final, gerando reputação e conexão autêntica com os produtos. Acredito que esse é um dos caminhos para melhorar a comunicação entre o campo e a cidade, aproximando os consumidores.

Hoje, não compete apenas uma empresa isoladamente; compete a cadeia produtiva inteira, incluindo os distribuidores.

Em 2014, a FAO — Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura — publicou um guia para o desenvolvimento sustentável da cadeia de alimentos e definiu como cadeia de valor alimentar sustentável aquela capaz de competir em rede, e não entre empresas individuais. Ou seja, a capacidade de construir uma governança vertical entre os diferentes elos da cadeia. O sucesso de uma empresa não depende apenas dela, mas da performance integrada de toda a cadeia em que está inserida.

Se um elo da cadeia atuar de forma isolada, além de perder competitividade, torna o desenvolvimento do mercado mais lento. Por outro lado, uma coordenação eficaz entre os atores, com previsibilidade nas compras e nos estoques de matérias-primas, padrões de qualidade, investimentos compartilhados em marketing, pesquisa e desenvolvimento (P&D), logística, inteligência de mercado e atuação nos pontos de venda, reduz perdas pós-colheita, padroniza as exigências do mercado, aumenta o consumo, cria produtos de classe mundial e constrói uma narrativa autêntica, valorizada no mercado internacional.

A “pistachemania”, criada desde 2022 no mundo, não foi por acaso. Foi resultado de um esforço integrado, liderado, ao que tudo indica, pela associação norte-americana American Pistachio Growers (APG), que representa mais de 800 produtores dos estados da Califórnia, Arizona, Novo México e Texas. Diante de um estoque excedente nas safras de 2023/2024, eles se viram obrigados a desenvolver novas estratégias para criar mercados consumidores. Utilizando marketing pull, geraram demanda diretamente no consumidor final, investindo em influenciadores de peso na gastronomia e nas mídias sociais. Isso permitiu que pequenos empreendedores criassem receitas inspiradas nessas referências. As indústrias, por sua vez, potencializaram o movimento ao lançar, em um curto espaço de tempo, diversas versões de produtos com sabor pistache, criando uma verdadeira “onda verde” no mercado.

O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) tem atuado ativamente em países como o Brasil para abrir mercados, promover degustações e inserir o pistache no cotidiano dos consumidores. Uns apostam que será uma moda passageira; outros, que é uma descoberta que veio para ficar. Independentemente disso, os resultados do trabalho em cadeia foram poderosos.

Em um ano de COP30 acontecendo dentro do nosso país, o tema dos sistemas alimentares mais resilientes e adaptáveis precisa estar inserido nessa visão integrada de cadeia, a fim de que o Brasil possa avançar não apenas na produção tropical, mas também na agregação de valor, inserindo-se nas cadeias globais de valor sustentável.


*Maurílio Santos Jr.
Diretor da Associação Brasileira de Nozes, Castanhas e Frutas Secas. Mestrando em Gestão e Inovação na FZEA‑USP.

 

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