Vivemos em uma sociedade regida por princípios e leis. Esses princípios e leis servem para regulamentar nossas ações, para que não ultrapassemos os limites de outras pessoas. Em tese, esses princípios e leis regulam e protegem os relacionamentos interpessoais, de modo que um não invada nem tire o espaço do outro. Para isso, temos normas que impedem ataques físicos e verbais, para que não nos firamos mutuamente.
Naturalmente, se nos importássemos de verdade uns com os outros, não seria necessário que tais regras existissem por força da lei. Bastaria o reconhecimento e o respeito. Mas essa não é a nossa realidade — e isso fica claro quando observamos o relacionamento e o trato com as crianças.
Reconhecemos que é errado gritar e levantar a voz contra um adulto, mas muitos não pensam duas vezes antes de fazer o mesmo com uma criança. Consideramos absurdo mandar um adulto “calar a boca”, mas achamos natural usar essa mesma expressão quando dirigida a uma criança. Se tais agressões verbais já são inaceitáveis entre adultos, o que dizer, então, quando são praticadas contra os pequenos?
Muitas dessas agressões surgem em momentos de raiva, em ações impensadas que, se fossem praticadas contra adultos, trariam consequências imediatas — seja pela reação da outra pessoa, seja pela força da lei. Mas, quando cometidas contra crianças, ainda se acredita ter o direito de mandar “engolir o choro”, certos de que não haverá consequências justas nem imediatas para tais atos.
Mas essas consequências vêm. E voltam em forma de trauma. E o pior? É, novamente, a pessoa ferida quem sofre as consequências dessas ações.
Na teoria psicanalítica, Freud nos mostrou que nada do que é recalcado permanece enterrado para sempre. O trauma infantil, quando não elaborado, retorna mascarado em sintomas, angústias e repetições. Aquilo que foi silenciado no choro “engolido”, no grito reprimido, no gesto sufocado, retorna — seja em fobias, em crises de ansiedade ou em dificuldades de se relacionar. O retorno do recalcado é a prova de que a dor não desaparece: ela apenas muda de forma.
Assim, quando uma criança é violentada verbal ou fisicamente, aquilo que o adulto imagina ter “passado” não se dissolve: apenas se oculta no inconsciente. Mais tarde, essas marcas se manifestam na vida adulta, cobrando um preço silencioso. A sociedade, que despreza tais feridas, depois se espanta ao ver gerações ansiosas, inseguras, fragmentadas. Mas o que é a angústia coletiva senão o eco dos traumas individuais nunca escutados?
Eles sempre voltam. O recalcado retorna, os traumas ressurgem e, se não forem tratados, continuarão a governar vidas de forma invisível. O que foi semeado na infância floresce no adulto — e, se não for cuidado, o fruto é amargo.
Com isso, voltamos à questão dos princípios e das leis. Como dito, os princípios e as leis existem para conter nossos impulsos, porque o respeito espontâneo raramente se manifesta. Mas, quando um adulto usa sua força e autoridade para esmagar uma criança — pelo grito, pela humilhação ou pela violência — não é apenas a lei que se viola, é o próprio princípio humano que se dissolve. Assim, semeiam-se não apenas as infrações do presente, mas também as feridas do futuro, que carregarão para sempre as marcas das injustiças sofridas na infância.
*Wanderson R. Monteiro
Autor de São Sebastião do Anta – MG.
Dr. Honoris Causa em Literatura e Dr. Honoris Causa em Jornalismo.
Bacharel em Teologia, graduando em Pedagogia.
Psicanalista em formação.
Acadêmico correspondente da FEBACLA. Acadêmico fundador da AHBLA. Acadêmico imortal da AINTE.
Autor dos livros Cosmovisão em Crise: A Importância do Conhecimento Teológico e Filosófico Para o Líder Cristão na Pós-Modernidade, Crônicas de Uma Sociedade em Crise, Atormentai os Meus Filhos, e da série Meditações de Um Lavrador, composta por 7 livros.
Autor de 10 livros.
Vencedor de 4 prêmios literários. Coautor de 15 livros e 4 revistas.
(São Sebastião do Anta – MG)
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