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Opinião Quarta-feira, 28 de Outubro de 2020, 07:00 - A | A

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Opinião

STF e a universalidade do direito das pessoas com deficiência

Por Viviane Limongi*

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Reconhecimento da universalidade dos direitos das pessoas com deficiência. Este foi o sentido da recente decisão do Supremo Tribunal Federal que concedeu Habeas Corpus (HC 165.704) coletivo para determinar a substituição da prisão cautelar dos pais e responsáveis por crianças menores e pessoas com deficiência.

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Viviane Limongi

 

Condicionada também às regras processuais previstas no artigo 318 do Código de Processo Penal, a ordem coletiva atinge todas as pessoas presas que tenham sob sua única reponsabilidade pessoas com deficiência.

Decisão semelhante, mas restrita às gestantes e mães de crianças com até 12 anos, já havia sido concedida em 2018, nos autos no Habeas Corpus 143.641 - SP.

Agora, o Supremo Tribunal Federal estende o sentido daquela decisão aos presos que tenham sob seus cuidados as pessoas com deficiência, o que traz concretude aos direitos humanos das pessoas com deficiência, à luz do que dispõem a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo ratificados pelo Brasil.

É importante consignar, ainda, nesta hipótese, a preponderância dos direitos humanos da pessoa com deficiência sobre a prerrogativa do Estado-Administração de manter segregado o familiar exclusivamente responsável pela pessoa com deficiência. Manter-se a situação anterior significaria, na prática, verdadeira transferência de pena do condenado à pessoa com deficiência, porquanto esta estaria impedida de manter consigo acompanhamento familiar e social e, com isso, desenvolver-se.

A decisão judicial, pois, vai ao encontro da atual hierarquia de valores que integram o sistema jurídico nacional e internacional e concede à questão da pessoa com deficiência tratamento digno, voltado à inclusão, ao pleno desenvolvimento de seus direitos de personalidade e à diminuição das barreiras impostas pela sociedade.

A longo da História, a vida das pessoas com deficiência nunca foi fácil. No primeiro momento histórico, caracterizado pela intolerância, decretos de morte eram comuns.

O segundo momento caracterizou-se pela "enfermidade incurável", impondo às pessoas com deficiência verdadeira hipótese de invisibilidade.

O terceiro momento se caracterizou pelas conhecidas internações em instituições psiquiátricas e se consubstanciaram pela busca pela cura. A deficiência, então, era uma "doença a ser curada’, como define Flávia Piovesan.

E, finalmente, o quarto e atual momento se orienta pelo paradigma dos direitos humanos, com ênfase à inclusão social da pessoa com deficiência no meio em que ela se insere, com vista à eliminação de barreiras culturais, arquitetônicas, atitudinais, físicas e sociais.

Hoje, a deficiência é vista como algo natural e não se restringe apenas à questão biológica, mas conjuga a questão biológica e funcional à das barreiras impostas pela sociedade. Ou seja, quanto maior as barreiras impostas pela sociedade, maior a deficiência.

Conclui-se, portanto, que o conceito biopsicossocial da deficiência impõe à sociedade o dever de diminuir barreiras e envidar todos os esforços para o pleno desenvolvimento da pessoa com deficiência. E é justamente em razão desse dever de diminuir barreiras e ofertar à pessoa com deficiência a possibilidade de desenvolver-se que a Convenção propõe que as famílias, como núcleo natural e fundamental da sociedade, recebam a proteção e assistência necessárias para torná-las capazes de contribuir para o pleno e equitativo exercício dos direitos das pessoas com deficiência.

A decisão do Supremo Tribunal Federal vai ao encontro da atual concepção de deficiência, ao permitir que a pessoa com deficiência não seja prejudicada em seu desenvolvimento pelo encarceramento de seu único responsável. Trata-se de medida de cuidado, essencial aos direitos humanos e à promoção dos direitos e dignidade das pessoas com deficiência para garantir sua participação na vida social, econômica e cultural.

 

 

*Viviane Limongi

Mestre e doutoranda em Direito Civil e sócia do escritório Limongi Sociedade de Advogados

 

 

 

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