“Eu não posso ser canalha!”, dizia ele entre um copo e outro de whisky. “Acontece que, lá se vão quarenta anos de casados e, se as conversas se tornam banais como o tempo, imagine a cama!?”
Não dava pra negar. Os argumentos eram fortes e quanto mais ele falava sobre aquele casamento, que se parecia muito com uma empresa ou um acordo, sei lá, mais as dúvidas sobre a própria vida remexiam dentro dela.
“Veja bem …” continuava seu arsenal de justificativas regado a puro malte. “Quando estou com ela, somos só eu e ela. Não tem isso de ficar cuidando mensagem no celular e muito menos de espiar outra em mesa de bar! Não, de jeito nenhum! Mas nem sempre estamos juntos e pra essas horas o velho ditado se torna lei: o que os olhos não vêem, o coração não sente”, finalizou com aquele charme peculiar.
Ele era irritantemente sagaz com as palavras. Um homem culto, inteligente, bem vivido e incrivelmente sedutor em todos os sentidos.
Naquela altura da noite, Elis Regina já tinha passado pela sala de estar com ‘dois pra lá e dois pra cá’, Bethânia já havia discorrido sabiamente sobre o “animal ferido” e Shakira já avisava que o bom mesmo era ser “louca, louca, louca”.
Lealdade e fidelidade estiveram em pauta boa parte daquela noite estrelada, naquele lugar tão mágico pelos confins da Terra.
Ao mesmo tempo que o questionava, como a boa observadora que é, se encantava e também colocava em check a própria vida.
“Quanto por cento da sua relação com ela hoje é representada pelo dinheiro?”, perguntou. A resposta veio rápida e espantosa: “Oitenta por cento”.
E ela, descrita por ele como uma pessoa “romântica”, tremeu as pernas pensando como seria viver assim.
Nesse momento, engoliu pavorosamente um gole de sua cerveja e pediu licença para ascender um cigarro.
Precisava entender quem, afinal, estava certo ou errado naquilo tudo e sua vida tinha acabado de lhe entregar um banho de água gelada. Afinal, sua história não tinha glamour, carros, restaurantes caros e seu único investimento era na preservação de sua sanidade mental que também andava meio balançada.
Mas já era tarde e aquele assunto parecia ter tantas outras nuances a serem desbravadas.
A meia luz na sala, o ambiente rústico, porém refinado, o cheiro do mato … Era uma “entrevista” que deveria continuar em outro momento, certamente …
Ela e aquela mania de ler a vida do outro …