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Cotidiano Sexta-feira, 09 de Maio de 2014, 16:28 - A | A

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Audiência sobre demarcação de terras reúne comissões, produtores, mas Funai não comparece

Samira Ayub - Capital News (www.capitalnews.com.br)

A Conferência sobre demarcações de terras reuniu na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, autoridades federais e estaduais, lideranças indígenas e produtores rurais, na manhã desta sexta-feira (9), em Campo Grande.

O presidente da Casa de Leis, Jerson Domingos (PMDB), ressaltou a presença de indígenas, produtores, e representantes das comissões e considerou o encontro como um passo importante para a construção de um diálogo. A Conferência sobre o Processo de Demarcação de Terras Indígenas foi realizada em conjunto com a Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Também participaram os deputados estaduais Carlos Marum (PMDB), Marcio Monteiro (PSDB), Laerte Tetila (PT) e Zé Teixeira (DEM).

A Fundação Nacional do Índio (Funai) não esteve presente na discussão, e sua ausência repercutiu entre os parlamentares. O deputado federal Osmar Serraglio (PMD-PR) lamentou a ausência e destacou que várias conferência estão sendo realizadas pelo país com o objetivo de ampliar o debate com autoridades e sociedade para colher elementos à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000.

O deputado é relator da PEC que tramita há 14 anos no Congresso Nacional e altera os artigos 49 e 231 da Constituição Federal para acrescentar às competências exclusivas do Congresso Nacional para demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Estabelece, ainda, que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulados em lei ordinária, e não mais por decreto do Executivo.

Serraglio informou que concluirá o relatório final em até um mês, quando o texto deverá ser votado na comissão e depois seguir para apreciação do Plenário. São necessários dois terços dos votos da Câmara Federal para a aprovação da PEC.

Segundo o deputado federal Reinaldo Azambuja (PSDB-MS), a PEC deverá assegurar os direitos dos índios e também o direito de propriedade aos produtores rurais com terras devidamente tituladas. “Quem foge do debate quer perpetuar o estado de insegurança, porque estamos aqui discutindo formas de resolver essa questão assegurando o direito de todos”, reiterou. O parlamentar rebateu críticas de que a PEC seria inconstitucional. “Cabe ao Congresso Nacional legislar sobre os bens da União e as terras indígenas são bens da União”, enfatizou.

O deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM) fez uma retrospectiva da ocupação de terras do Brasil, defendendo a correção de contradições na Constituição Federal de 1988. “Como resolver princípios que se chocam, como o fato de que a nossa Constituição, ao mesmo tempo em que assegura o direito de propriedade, diz que terras indígenas devem ser expropriadas sem ônus?”.

O parlamentar disse que o Governo Federal é omisso, somente se mobiliza em situações extremas, e reconheceu o empenho dos deputados estaduais, que têm feito a intermediação nas negociações entre índios e fazendeiros, com vistas a garantir a paz no campo. “O deputado Jerson e os demais deputados têm se empenhado ativamente na busca por soluções”, afirmou. Também citou o Fundo Estadual para Aquisição de Terras Indígenas (FEPATI), de autoria o deputado estadual Laerte Tetila (PT), como importante mecanismo para a solução do impasse quanto ao ressarcimento aos produtores rurais. “Nesse sentido, Mato Grosso do Sul está na vanguarda da solução, porque já temos um caminho a seguir”, resumiu.

O governador André Puccinelli (PMDB), também participou do evento, e ponderou de que não basta apenas garantir terras, mas implantar uma eficiente política indigenista, também assegurando o ressarcimento aos produtores. “Os índios precisam de muito mais do que terras e o FEPATI, criado aqui pela Assembleia Legislativa demonstra que também é possível ressarcir os produtores”, afirmou o chefe do Executivo estadual.

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Foto: Deurico/Capital News

Representando a Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul (Assomasul), o prefeito de Iguatemi, José Roberto Arcoverde (PSDB), lembrou dificuldades enfrentadas pelos gestores municipais para garantir atendimento em saúde e educação às famílias indígenas. “Às vezes, é preciso construir escolas em áreas invadidas, o que não é permitido, mas por outro lado não podemos deixar as crianças indígenas sem escola”, disse.

Para o desembargador federal Luiz de Lima Stefanini, que representou na conferência o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a PEC 215 será uma lei importante para inaugurar uma nova realidade: “hoje não temos lei para tratar do assunto, o que está sendo discutido não é uma desapropriação. O que será feito é pagar o preço justo aos proprietários”. “Há um esforço muito grande do Executivo e do Legislativo local em solucionar a questão, mas a solução deve vir de quem tem legitimidade para isso, que é o Congresso Nacional”, afirmou o desembargador Sérgio Martins, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ/MS).

O presidente da Associação dos Criadores de MS (Acrissul), Francisco Maia, disse que “o que acontece no campo não é diferente do que acontece nas cidades: é a sociedade refém. O Estado que cobra altíssimos impostos e não oferece nem o sagrado direito à propriedade”. O presidente da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Eduardo Riedel, informou que 80 áreas estão ocupadas em todo o Estado. “Temos o mesmo entendimento, mas não conseguimos avançar”, disse.

O cacique guarani-caiuá Nito Nelson, da aldeia Água Bonita, disse que não quer mais “o sangue dos parentes escorrendo pelo chão”. Ele também afirmou: “Nós não invadimos terras, nós pegamos o que é nosso”. Já o índio Marcio Justino, do Movimento Indígena Terena, disse ser contra a PEC. “Tínhamos um avanço e agora estamos regredindo. Queríamos todos estar aqui, mas não estava na nossa agenda. Estamos em assembleia em Miranda discutindo inclusive esta PEC 215. Amanhã é o último dia do nosso encontro”, disse. “Queremos continuar com a demarcação de terra como é feita”, complementou.

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Foto: Deurico/Capital News

O presidente da Associação Estadual dos Direitos dos Povos Indígenas, índio terena Danilo de Oliveira, disse que índios e produtores querem a pacificação no campo e elogiou a realização da conferência. “Fiquei muito contente com o convite para participar deste fórum, que tem como objetivo promover a paz”. Ainda assim, Oliveira disse ser contra a PEC. “Precisamos discutir. Queremos fortalecer a Funai, mas da maneira que está, da maneira que se impõe causa esta instabilidade rural”, disse.

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