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Opinião Quarta-feira, 13 de Agosto de 2025, 19:15 - A | A

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Saúde íntima sob risco: o preço oculto do emagrecimento acelerado

Por Daniele Rosevics*

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O uso de medicamentos à base de semaglutida — como Ozempic e Wegovy — migrou rapidamente do tratamento do diabetes tipo 2 para a busca estética por emagrecimento. Segundo estimativas da empresa de pesquisas Trilliant Health, cerca de 16 milhões de adultos nos Estados Unidos já fazem uso dessas drogas. No Brasil, a demanda é tão grande e incompatível com o salário médio da população que as próprias farmácias têm dificuldades em administrar o estoque, levando à falta do produto no mercado. Ainda assim, o uso off-label tem se multiplicado nas redes sociais e clínicas de estética, alimentado pela promessa de perda rápida de peso: estudos apontam uma redução média de até 14,9% do peso corporal em cerca de 68 semanas.

Apesar da eficácia comprovada na balança, os riscos à saúde são significativos e nem sempre transparentes para o público. Náuseas, vômitos, diarreia e constipação estão entre os efeitos adversos mais comuns. Contudo, também vêm sendo documentados casos de queda acentuada de cabelo, alterações menstruais, hipersensibilidade oral, ressecamento da mucosa e perda de paladar. Ainda mais preocupante é a perda de massa magra, que pode representar até 25% do peso eliminado, comprometendo músculos, colágeno e densidade óssea. Em pessoas sem acompanhamento profissional, esse desequilíbrio pode levar à sarcopenia, osteopenia e maior propensão a lesões, especialmente entre mulheres e idosos.

A saúde íntima feminina tem sido um dos pontos mais negligenciados nesse debate. A perda abrupta de gordura subcutânea em regiões como os grandes lábios da vulva e o monte de Vênus tem provocado desconforto físico e psicológico. Com o esvaziamento dessas estruturas, muitas mulheres relatam dor durante as relações sexuais, maior sensibilidade ao usar roupas justas e desconforto ao pedalar ou correr. Há ainda relatos de fissuras e traumas cutâneos pela ausência de acolchoamento natural — efeitos que, nas redes sociais, ganharam até expressões pejorativas como “vagina de Ozempic”, evidenciando a banalização de um problema complexo.

Na dimensão hormonal, os efeitos são contraditórios. Alguns homens relatam aumento da libido, possivelmente associado à melhora da resistência à insulina e à elevação de testosterona. No entanto, muitas mulheres apontam queda na disposição sexual e alterações no ciclo menstrual, evidenciando que o impacto da semaglutida sobre a sexualidade humana ainda precisa ser mais estudado. Como o medicamento interfere diretamente na saciedade e na relação com a comida, efeitos emocionais e psicológicos também devem ser considerados.

Para garantir o uso seguro da semaglutida, é fundamental que o tratamento esteja sempre associado a orientação médica qualificada, reeducação alimentar, prática regular de exercícios de resistência e suporte multiprofissional — incluindo endocrinologistas, nutricionistas, ginecologistas e, em muitos casos, psicólogos. Apenas com esse cuidado é possível minimizar riscos, preservar a saúde óssea, proteger a função pélvica e garantir qualidade de vida durante e após o processo de emagrecimento.

Emagrecer é um desejo legítimo, mas não pode custar a saúde física, hormonal e sexual. O ideal de um corpo magro e performático, amplamente promovido por celebridades e influenciadores, não deve obscurecer a responsabilidade ética e médica que o uso desses medicamentos exige. Cabe à sociedade — e especialmente aos profissionais de saúde — promover informação baseada em evidências, combater a medicalização excessiva da estética e lembrar, sempre, que saúde não se mede apenas em quilos.


*Daniele Rosevics
Médica ginecologista e especialista em saúde hormonal da mulher.

 

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