A sanção da Lei 15.272, em 26 de novembro de 2025, representa um marco na evolução do processo penal brasileiro e inaugura uma fase de pragmatismo legislativo na gestão da segregação cautelar. Ao alterar dispositivos estruturais do Código de Processo Penal, notadamente os artigos 310 e 312, o legislador tenta resolver uma tensão histórica: conferir objetividade aos critérios de prisão preventiva sem ignorar a necessidade de contenção da criminalidade reiterada. Trata-se de uma reengenharia dos requisitos do periculum libertatis, que exige dos operadores do direito uma leitura menos automática e mais conectada à realidade social do risco apresentado pelo custodiado.
A inovação mais sensível está na positivação de critérios objetivos que orientam a conversão do flagrante em prisão preventiva na audiência de custódia. O novo §5º do artigo 310 retira o magistrado de uma zona de conforto subjetiva, impondo um roteiro de análise vinculado à reiteração delitiva e à gravidade concreta da conduta. Ao prever que a prática de crimes durante a tramitação de inquéritos ou ações penais, bem como a reincidência específica após liberação anterior, são vetores para o encarceramento, o dispositivo desafia diretamente a jurisprudência consolidada, especialmente a Súmula 444 do STJ.
A opção legislativa é clara: priorizar a tutela da ordem pública em uma dimensão de proteção imediata, mitigando, ainda que de forma excepcional e cautelar,a rigidez absoluta do princípio da não-culpabilidade para interromper ciclos criminais habituais.
A reforma também aprimora o conceito de periculosidade no artigo 312 ao afastar, de modo definitivo, a fundamentação baseada na gravidade abstrata do delito. A exigência de demonstração concreta do modus operandi, da participação em organização criminosa ou da natureza lesiva dos materiais apreendidos — como o potencial ofensivo de armamentos ou a variedade de entorpecentes, eleva o padrão de motivação judicial. O movimento é ambivalente: de um lado, fornece instrumentos legais para manter presos indivíduos de comprovada periculosidade; de outro, protege o sistema contra a prisionização automática e baseada apenas na tipificação penal, exigindo risco real e individualizado à ordem pública.
No eixo da produção de prova e da inteligência investigativa, a criação do artigo 310-A moderniza o aparato estatal ao tornar obrigatório o requerimento de coleta de material biológico para identificação genética em casos de crimes violentos, sexuais ou praticados por organizações criminosas armadas.
A medida alinha o Brasil a práticas internacionais contemporâneas, afastando impasses doutrinários sobre autoincriminação em nome da precisão científica e da resolução de cold cases. A tecnologia passa a compor a cadeia de custódia desde a prisão, fortalecendo o lastro probatório e reduzindo a margem de erro, tanto para condenações injustas quanto para absolvições decorrentes de falta de materialidade.
Assim, a Lei 15.272/2025 não deve ser lida sob a ótica simplificadora do punitivismo, mas como uma tentativa de racionalizar o sistema de justiça criminal. O texto legal entrega ao juiz de garantias e ao juiz da instrução parâmetros claros para justificar a medida extrema da privação de liberdade, restringindo o voluntarismo judicial. A aplicação prática, contudo, especialmente no tocante à valoração de inquéritos em andamento como indicativo de risco, inevitavelmente estimulará debates constitucionais intensos. Caberá às Cortes Superiores modular esses dispositivos, garantindo que a busca por eficiência e segurança pública não sufoque as garantias fundamentais que estruturam o Estado Democrático de Direito.
*Eduardo Maurício
Advogado no Brasil, em Portugal, na Hungria e na Espanha. Doutorando em Direito – Estado de Derecho y Governanza Global (Justiça, sistema penal y criminologia), pela Universidad D Salamanca – Espanha. Mestre em direito – ciências jurídico criminais, pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela Católica – Faculdade de Direito – Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas. Pós-graduado em Direito penal econômico europeu; em Direito das Contraordenações e; em Direito Penal e Compliance, todas pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia. Pós-graduando pela EBRADI em Direito Penal e Processo Penal. Pós-graduado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Academy Brasil –em formação para intermediários de futebol. Mentor em Habeas Corpus. Presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim).
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