Brain rot, ou "apodrecimento cerebral", trata-se de uma expressão eleita pelo Dicionário Oxford como a "palavra do ano" em 2024. Ela se refere ao declínio da capacidade de atenção e do pensamento crítico causado pela exposição massiva a conteúdos digitais irrelevantes e de consumo passivo.
De outra parte, estudiosos, como Andrew Ng, professor de Stanford, têm utilizado a ideia de que a Inteligência Artificial é a nova eletricidade do tempo, o que sugere que, assim como a eletricidade se tornou uma tecnologia de propósito geral que se adentrou em todos os setores, a IA está se tornando também uma força motriz universal, uma infraestrutura.
Nesse sentido, pensar os rumos da educação é urgente. Tanto no Brasil quanto no resto do mundo, o excesso informacional, o avanço exponencial da tecnologia, as novas demandas do mercado de trabalho e a urgência em reduzir desigualdades se entrelaçam em um cenário de grandes oportunidades — e riscos.
Acredito que, mais do que imaginar salas de aula futuristas, esse contexto exige que todos os envolvidos no setor apostem em modelos educacionais robustos, mas menos conteudistas ou tradicionais. Estou falando de estratégias de aprendizagem que promovam mais equidade, eficiência analítica, criatividade e criticidade, inteligência emocional, além de adequação à realidade de cada escola.
A partir desse mix de fatores, é importante refletirmos acerca de alguns pilares para a experiência escolar até 2030: a IA (inteligência artificial), a busca por equidade e a personalização do ensino.
IA como parceira do professor
Na sala de aula de 2030, a IA dificilmente substituirá o educador. Ao contrário, seu avanço demonstra que provavelmente a veremos cada vez mais como suporte, como tutora, liberando o professor de tarefas repetitivas, como a correção de exercícios padronizados. Assim, o profissional poderá se dedicar a funções mais estratégicas, como a curadoria crítica, a mediação complexa, o debate analítico e o apoio socioemocional aos estudantes.
A própria Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) tem reforçado esse caminho de colaboração entre humanos e máquinas. Não à toa, plataformas de aprendizagem adaptativa e tutores inteligentes vêm ganhando força nos últimos anos.
Por outro lado, a efetividade da IA também depende do investimento em infraestrutura e na formação adequada de professores. Ryan Baker, diretor do Penn Center for Learning Analytics da Universidade da Pensilvânia e pioneiro em mineração de dados educacionais, adverte que a tecnologia, embora capaz de prever dificuldades de aprendizagem, corre o risco de se tornar uma catalisadora de superficialidades. Logo, sem uma interpretação pedagógica qualificada, os dados não apenas se tornam um repositório subutilizado, mas podem alimentar um ciclo de "brain rot" (apodrecimento cerebral) acadêmico. Nesse cenário, as intervenções se resumem a respostas automatizadas e rasas que, em vez de construírem compreensão, apenas a contornam, atrofiando o pensamento crítico e a capacidade de raciocínio profundo do aluno
Formar educadores para esse cenário, portanto, exige ir além do treinamento técnico, estimulando o desenvolvimento de competências críticas e éticas para evitar modismos.
Equidade: o grande desafio
Nenhuma inovação tecnológica terá efeito transformador se não for acessível a todos. Não basta garantir conectividade e dispositivos, é preciso investir em letramento digital para que estudantes e professores tenham a oportunidade de acessar e realmente compreendam como usar as tecnologias disponíveis.
Sinead Bovell, futurista canadense e defensora da educação e ética em tecnologia, já apontou para a “desigualdade cognitiva” que pode nascer junto da IA, isto é, uma cisão ainda maior entre uma elite que utiliza a IA para ampliar sua capacidade intelectual e uma maioria que a consome de forma passiva, arriscando-se à superficialidade e à atrofia do pensamento crítico.
Pensando em riscos como esse, não é de se estranhar que a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) por meio do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) tenha anunciado que passará a avaliar competências ligadas ao letramento em IA a partir de 2029.
Portanto, especialmente em países como o Brasil, em que a exclusão digital ainda é estrutural, as instituições responsáveis devem dobrar a atenção para a questão da equidade.
Sensibilidade de uso e interpretação de dados
Abrangendo os dois tópicos anteriores, a personalização da aprendizagem é o terceiro pilar da sala de aula de 2030, não por ser um diferencial, mas por se tratar de uma expectativa básica.
A própria IA já demonstra que é possível analisar padrões de desempenho em larga escala, oferecendo recomendações sob medida para cada estudante. Ou, ainda, posso citar a tendência crescente da “avaliação invisível”, que envolve um sistema mais contínuo, formativo e integrado ao processo de aprendizagem.
Tudo isso permite que trajetórias educacionais se tornem mais flexíveis, dinâmicas e conectadas às necessidades individuais. E, quando aliadas à sensibilidade do professor em compreender dimensões socioemocionais e contextuais dos alunos, a ideia de personalizar a educação passa a ter um potencial ilimitado.
Futuro otimista e cauteloso
Pensando nesse conjunto de fatores, o cenário que se desenha até 2030 é de otimismo cauteloso. A tecnologia oferece recursos para tornar a educação mais justa, engajadora e personalizada, mas ainda precisamos enfrentar desigualdades, esvaziamento crítico e a desumanização na aprendizagem.
Escolas, educadores, famílias e responsáveis por políticas públicas precisam se unir e refletir sobre o futuro que anseiam para a educação. Ainda há obstáculos que devem ser combatidos e a transição para modelos mais democráticos e condizentes requer investimentos consistentes e de longo prazo.
Está na hora de escolhermos qual será a sala de aula de 2030.
*Silvia Maria Brandão
Doutora em Linguística e Língua Portuguesa, especialista em Análise de Dados e Avaliação Educacional. É especialista pedagógica da Geekie, principal solução de aprendizagem personalizada e ensino híbrido para o setor de educação básica baseada em inteligência de dados.
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