A agricultura brasileira, conhecida por sua robustez econômica e relevância global, enfrenta inúmeros desafios relacionados ao uso de pesticidas. Entre esses desafios, destacam-se a falta de capacitação de profissionais de saúde em toxicologia de pesticidas e o desconhecimento técnico que compromete a qualidade dos dados estatísticos. Este problema, pode provocar subnotificações, além de gerar notificações em excesso devido à dificuldade de diferenciação entre exposição e intoxicação, distorcendo a compreensão sobre possíveis impactos dos pesticidas na saúde ocupacional e pública.
Exposição e intoxicação: diferenças cruciais e o desafio do diagnóstico
A exposição a pesticidas refere-se ao contato direto ou indireto com essas substâncias, enquanto a intoxicação é caracterizada pelos efeitos adversos que podem surgir desse contato. No entanto, diferenciar essas condições na prática clínica é um desafio significativo. Muitos sintomas associados a outras doenças como distúrbios metabólicos, hipertensão arterial, diabetes, reação a hipersensibilidade, além de hábitos alimentares regionais e tabagismo e etilismo, podem ser erroneamente associados ao contato com pesticidas. Esse desconhecimento técnico resulta frequentemente em diagnósticos imprecisos, tanto pela falta de registros quanto pelo excesso de notificações não confirmadas.
Implicações para a saúde ocupacional
Os trabalhadores rurais, particularmente vulneráveis devido à proximidade e ao manuseio constante de pesticidas, sofrem diretamente as consequências dessa deficiência técnica. As Boas Práticas Agrícolas com uso de equipamentos de proteção individual tecnologias de aplicação modernas e a implementação de protocolos de segurança podem determinar uma redução dos casos de intoxicação, ao mesmo tempo que notificações em excesso podem criar uma falsa percepção de risco ou desviar recursos destinados a intervenções mais críticas. Além disso, a inexistência de dados claros compromete o desenvolvimento de políticas públicas voltadas à saúde ocupacional, que podem impactar negativamente a qualidade de vida dos trabalhadores rurais.
Impactos na saúde pública
No âmbito da saúde pública, o excesso de notificações afetam a percepção dos riscos em comunidades próximas a áreas agrícolas, assim como na população em geral mediante informes midiáticos enviesados. A inconsistência nos dados também prejudica a compreensão da relação entre pesticidas e doenças crônicas, como câncer e distúrbios neurológicos, exagerando os riscos reais para populações expostas.
Os dados gerados pelo PARA Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos( pesticidas) em Alimentos da ANVISA indicam uma segurança alimentar nos alimentos produzidos pela agricultura brasileira
A importância de dados precisos
A existência de registros estatísticos confiáveis é vital para justificar investimentos em saúde pública, monitoramento ambiental e regulação do uso de pesticidas. Dados enviesados, inflados como os atuais sistemas SINAN e SINITOX, criam uma realidade distorcida que prejudica a tomada de decisões. A lacuna de informação adequada compromete a compreensão das pessoas quanto à sustentabilidade da agricultura brasileira.
Caminhos para o futuro
Resolver este problema exige uma abordagem multifacetada. A capacitação contínua dos profissionais de saúde é essencial para equipá-los com o conhecimento necessário para identificar corretamente casos de exposição e intoxicação. Além disso, protocolos clínicos padronizados, ferramentas diagnósticas específicas e iniciativas de educação podem ajudar a evitar diagnósticos imprecisos.
Parcerias entre o setor de saúde, agricultura e educação também desempenham um papel crucial, promovendo um esforço coordenado para fortalecer os sistemas de vigilância. Campanhas de conscientização e regulamentações mais eficazes também são necessárias para alinhar a prática agrícola com as melhores práticas de saúde pública.
Conclusão
A falta de capacitação em toxicologia de pesticidas e o desconhecimento técnico na diferenciação entre exposição e intoxicação criam desafios críticos para a agricultura e a saúde no Brasil. Investir em educação e em sistemas de saúde mais robustos não é apenas uma questão técnica, mas um imperativo para proteger trabalhadores, comunidades e a população em geral.
*Angelo Zanaga Trapé
Professor-doutor aposentado da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS)
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