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Opinião Terça-feira, 27 de Maio de 2025, 12:12 - A | A

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Opinião

Bets e influenciadores: Uma parceria que custa caro à sociedade

Por Patricia Punder*

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Apesar de serem legais no Brasil, o caso das bets — plataformas de apostas esportivas online — levanta um sério debate moral que merece atenção. A legalização das apostas, consolidada pela regulamentação que permite o funcionamento de empresas estrangeiras mediante o pagamento de tributos e o cumprimento de exigências mínimas, não elimina os dilemas éticos envolvidos nessa prática.

Embora estejam dentro da legalidade, as bets promovem uma atividade que pode se transformar em vício, explorando psicologicamente os usuários e alimentando comportamentos compulsivos, especialmente entre os mais vulneráveis social e economicamente. A participação de influenciadores digitais na CPI das bets em andamento escancarou esta realidade. Ou seja, apesar de ser legal no Brasil, será que a atuação das bets é moral?

O marketing agressivo, onipresente nas redes sociais e em eventos esportivos, transforma o ato de apostar em algo banal, quase uma extensão do entretenimento esportivo. Celebridades e influenciadores digitais, muitos deles com grande apelo entre jovens e adolescentes, promovem as casas de apostas como se fossem inofensivas, omitindo os riscos associados.

Um estudo recente da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), revelou que 81% dos universitários brasileiros já apostaram em plataformas de bets, com 72,8% participando regularmente. O estudo também identificou uma correlação entre o comportamento de apostas e o desenvolvimento de transtornos mentais como ansiedade, depressão e estresse financeiro.

Essa banalização contribui para a normalização de comportamentos que no longo prazo, podem resultar em prejuízos financeiros severos, dívidas, problemas familiares e até transtornos mentais como ansiedade e depressão. Em muitos casos, o apostador não percebe que está se envolvendo em uma atividade com alto potencial destrutivo até que as consequências já sejam irreversíveis. Apesar dos avisos indicando se tratar de uma diversão e não um meio de ganhar dinheiro, na prática não é o que tem acontecido. Muito menos a indicação de “jogar com responsabilidade” ou até que menores de 18 anos não podem fazer uso das plataformas de bets. Infelizmente, a realidade tem sido outra.

O apelo das bets está fortemente relacionado a um sonho ilusório de enriquecimento rápido. Em um país com altos índices de desigualdade e desemprego, muitos brasileiros veem nas apostas uma chance de mudança de vida, ignorando as estatísticas desfavoráveis e os mecanismos de controle que favorecem as casas de apostas.

A esperança de lucro fácil, alimentada por campanhas publicitárias que glamurizam ganhos pontuais, mascara a realidade de que a imensa maioria dos jogadores perde dinheiro. Assim, embora o Estado arrecade com tributos sobre essas atividades e de muitos influenciadores ficarem milionários com as bets, é moralmente questionável que se lucre sobre a fragilidade de uma população muitas vezes desesperada por alternativas de renda. Sim, a influência dos influenciadores digitais que muitas vezes possuem milhões de seguidores e expõem um estilo de vida milionário, faz aflorar no inconsciente de muitos brasileiros que quem trabalha é “burro”, que o dinheiro deveria vir fácil e sem esforço, como a vida destes influenciadores é demonstrada nas redes sociais.

Outro ponto preocupante é a influência que as bets exercem sobre o esporte. Há indícios de manipulação de resultados, fraudes e envolvimento de atletas em esquemas ilícitos para favorecer determinadas apostas.

Esse cenário põe em risco a integridade das competições e mina a confiança do público no esporte como um espetáculo limpo e justo. Ainda que nem todas as plataformas estejam envolvidas em práticas duvidosas, a falta de fiscalização rigorosa e de mecanismos de controle eficientes abre espaço para irregularidades que comprometem o sistema como um todo.

Devemos lembrar do passado onde a Fórmula 1 era praticamente promovida por empresas de cigarro e bebidas. Empresas que eram legalizadas e ganhavam muito dinheiro com produtos que podem gerar outros vícios, como o tabagismo e o alcoolismo. E o que foi feito? Banir o patrocínio e as marcas destas empresas de atuarem na fórmula 1. Apesar de serem legais, as empresas e marcas foram questionadas sobre a questão moral de promover suas marcas para praticamente todo o mundo.

Portanto, ainda que legalizadas, as apostas esportivas online representam um problema moral relevante. O Estado, ao permitir e tributar essas atividades, assume uma postura ambígua: por um lado, regula e arrecada, por outro, falha em proteger adequadamente a população dos efeitos nocivos desse mercado.

A legalidade, nesse caso, não é sinônimo de legitimidade ética. É fundamental que haja uma discussão mais profunda e crítica sobre o papel social das bets, bem como uma responsabilização mais clara das empresas e dos promotores desse sistema. A moralidade não se limita ao que está na lei, mas ao impacto real que determinada prática causa nas vidas das pessoas e na estrutura social.


*Patricia Punder
Advogada e compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020.

 

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