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“Sem cultura eu acho que não há uma sociedade feliz, ou uma cidade que caminhe para o progresso”, destaca Marcelo
Um dos maiores instrumentistas de Mato Grosso do Sul, Marcelo Loureiro abriu as portas de sua casa para nos contar um pouco de sua história e suas paixões. A entrevista que durou pouco mais de uma hora, serviu para conhecermos um pouco melhor esse grande artista, que meio tímido, ainda se esconde atrás dos instrumentos e faz com que estes se sobreponham sobre qualquer ambiente e encantem até mesmo os mais desatentos.
Marcelo nasceu no Rio de Janeiro (RJ), mas foi aqui em Mato Grosso do Sul, mais especificamente em Guia Lopes, que começou a carreira artística aos 11 anos. O incentivo veio do avô materno, que também era instrumentista.
Durante sua trajetória, alguns momentos complicados quase o fizeram desistir da música, como a morte do avô cerca de dois anos depois de começar a tocar com o mesmo, e mais tarde, quando já tocava nas noites de todo o estado, um câncer Linfático, na região do pescoço, o afastou dos shows por quase três anos. Mas com muito esforço e superação, Marcelo persistiu em seu caminho e hoje é considerado referência no estado, quando o assunto é música instrumental.
A grande inspiração:
Capital News: O que te fez vir para Mato Grosso do Sul e principalmente, se envolver com a música?
Marcelo: Eu nasci no Rio de Janeiro, morei lá até os dez anos e, por motivos familiares, meu avô paterno faleceu e meu pai teve que cuidar das coisas dele, minha avó tinha ficado sozinha. Daí os meus avos maternos também moravam na mesma cidade e acabei vindo para cá. Com isso tive um contato muito grande com o meu avô materno, que ainda era vivo e o foi o cara que me influenciou, porque na sua juventude ele também foi músico, não profissional, mas um grande músico. Até hoje quando eu vou para a região de fronteira os mais antigos me falam: “Dancei muito baile com seu avô”. Ele era um instrumentista igual eu, tocava violino, acordeon, violão, tudo que ele pegava ele tocava. Quando eu fui para Guia Lopes com 10, 11 anos, o meu avô já tinha parado de tocar, porque ele tinha acabado de sofrer um derrame e estava voltando a ter os movimentos do lado direito, que tinha sido paralisado. Mas ele estava com a cabeça ótima, mentalmente ótimo, daí apareceu um neto tocando violão e ele ficou muito motivado. O único neto que se interessou por música, música raiz, tocando as polcas, porque eu era muito eclético, gostava de tudo.
O meu gosto musical muito tem a ver com meu avô, porque eu gosto muito de tango, de coisas antigas e musicas folclóricas, chamamé. Então ele foi meu grande incentivador, meu grande motivador. Ele acabou falecendo uns dois anos depois que eu comecei a tocar, mas nesses dois anos eu vivi intensamente com ele, nós viajávamos. Eu acho que ele pressentia que a vida dele estava curta, apesar dele estar muito forte, muito bem. Mas acho que ele pressentia, porque daí ele pensou: “Bom, agora que eu tenho um neto que toca, vamos ver meus antigos amigos” e daí ele me levou para tocar em todas essas cidadezinhas. Então nesses dois anos que eu convive com ele, eu aprendi bastante coisa. Essas coisas simples da vida.
História marcante:
O meu avô colocava o violino no lado esquerdo dele, que era o lado bom e como ele não tinha o movimento do lado direito, eu vinha com o arco e passava. Então com a minha mão direita e a mão esquerda dele, a gente fazia música. A gente tentava sincronizar. Ele me passava o ritmo pelo assobio, para eu pegar o tempo do arco. Daí a gente ia se entrosando até eu entender o que ele queria passar para mim. Ele conhecia muitas músicas, então eu tirei muita coisa de ouvido, por isso que o meu ouvido é bem desenvolvido, porque ele era muito persistente. Ele pegava no meu pé.
O primeiro contato:
Capital News: Você estudou música em alguma momento da sua vida?
Marcelo: Na verdade eu comecei de curioso, mas quando eu vim para Guia Lopes eu conheci um senhor que chamava Nico, que hoje mora em Aquidauna, que me mostrou os primeiro acordes. Ele que me deu uma iniciação ao violão também. Mas o solo que eu faço hoje, é realmente de ouvido.
O Nico foi importante porque quando a pessoa aprende sozinha, ela adquire vícios de tocar errado o instrumento. Por exemplo, uma coisa que ele me ajudou, eu toco com todos os dedos. Eu nunca fiz uma escola de música e nem nada, quem me ensinou a dedilhar foi ele. Eu só estudei a parte da teoria, que é ler as partituras.
Quando eu vim para Campo Grande fazer o terceiro ano, em 1996, eu comecei a estudar música por conta própria, porque naquela época não tinha essas facilidades que tem hoje. Não tinha internet. Então eu queria apreender a ler partitura, que para mim era um enigma, eu olhava para aquilo e pensava que eu queria aprender aquilo, porque a partitura te dá todos os elementos para você tocar um música sem nunca nem ter ouvido ela. Então eu pagava apostilas e apostilas de música e ficava tentando tirar as músicas pela partitura.
Definição do estilo:
Capital News: Como e quando você definiu o seu estilo musical?
Marcelo: Eu criei um estilo próprio, não tinha o que mexer, porque se eu entrasse na música clássica, eu cheguei a frequentar alguns workshops, fui á São Paulo, vi grandes violonistas de música clássica, então o meu jeito não se adaptava ao deles e eles queriam me mudar. Então quando eles olhavam o meu jeito de tocar eles falavam: “Não, vocês está tocando errado”, porque é um outro jeito, outra técnica desenvolvida.
O clássico tem todo uma postura, você senta, coloca um banquinho, é tudo muito rígido. É igual um pianista quando vai tocar piano clássico. Então eu não me adaptava, daí eu decidi: “Eu não vou entrar nesse mundo, eu não quero tocar o que eles tocam e do jeito que eles tocam”. Eu conheço o repertório, eu toco algumas músicas clássicas no meu show, eu aprendi algumas técnicas e adaptei para o meu jeito, então foi tudo muito experimental, mas o meu jeito de tocar é realmente só ouvindo e conhecendo outros músicos.
Capital News: Mas esse jeito de tocar? Teve algum momento em sua vida que você poderia dizer que foi ali?
Marcelo: Então. O jeito de tocar na verdade, a gente vai adquirindo sempre, tem cada vez mais técnica, cada vez mais conhecimento. Esse aprendizado eu vou ter até o resto da minha vida, porque hoje eu toco instrumentos modernos, com equipamentos mais sofisticados. Por exemplo, um equipamento que eu vou usar no show com o Geraldo, é um equipamento novo, que eu até já usei um similar a ele a muito tempo atrás, porem não tão moderno. Quando eu tocar ele lá, vocês vão ver som de piano sair junto com o violão, som de violino, tudo perfeito. Vocês vão pensar: “tem um instrumentista tocando”, essas tecnologias ajudam a complementar o som. Então eu sempre estou buscando coisas novas, técnicas novas.
Instrumento Oficial:
Capital News: Mas fora dessas modernidades todas, qual é o seu instrumento preferido?
Marcelo: O que eu gosto mais realmente é o violão, que faz parte da minha história. Quando eu vou procurar alguma música na internet eu naturalmente procuro para o violão. Desde música clássica, da Bossa Nova, do Jazz, que se toca no violão, desde a música flamenga, tudo começa no violão. Aí eventualmente, essas ideias do violão eu passo para a harpa. Tanto é que tudo que eu vou fazer nos outros instrumentos, eu pego o violão primeiro, porque o violão é o instrumento que eu tenho segurança, eu conheço todo o braço, eu já tenho o conhecimento. Eu faço tudo de olho fechado ali, daí depois eu passo para os outros instrumentos. É o meu instrumento oficial.
Capital News: Quantos e quais instumentos voce toca?
Marcelo: Eu já toco o violão, acordeon, bandoneon, harpa e viola, que são os instrumentos que eu sempre tive uma identificação. Eu cresci ouvindo harpa, meu avó adorava o bandoneon, então são os mais próximos para mim.
Capital News:Já tem um próximo instrumento em vista?
Marcelo: Agora as coisas têm que correr naturalmente, porque os instrumentos que eu realmente queria são esses que eu já toco.
Capital News: E a Harpa, quando você decidiu que ela entraria nos seus shows?
Marcelo: A vida toda eu quis tocar harpa e reproduzir o som dela no violão, ai quando eu vim para cá, em 90, a primeira harpa que eu tive foi em 2005 ou 2006, que eu encontrei um multie e daí comprei minha primeira harpa e comecei a treinar em casa e vi que tinha essa facilidade. Na verdade o jeito de tocar estava tudo fresquinho na minha cabeça, porque eu toquei tanto com aquele cara e as vezes ele emprestava a harpa para mim, ele tinha um ciúme da harpa, não deixava a harpa comigo, então aquilo ficou na minha cabeça como uma fotografia. As posições, o jeito, então quando eu peguei parecia que eu já sábia tocar.
Com um mês ou dois que eu estava com equipamento, uma prima minha foi na minha casa, daí eu comecei a tocar para ela e ela disse: “Eu não sabia que você tocava harpa” e eu respondi: “Nem eu sabia”. Então foi tudo tão natural e eu comecei a ver que dava para levar nos shows. Daí em 2009 por ai, eu levei uma vez para tocar uma musica num show e daí o pessoal adorou e só queria a harpa, ai ficou né.
Marcelo Cantor:
Capital News: Você já cantou em o público?
Marcelo: Sim. Em shows eu já cantei com Paulinho Simões, com Juci Ibanez, mas dá para contar nos dedos, acho que foi umas três ou quatro vezes, todas por insistência desses amigos. Porque na verdade eu nasci para o instrumento. Eu sou um instrumentista. Mas eu não vou dizer que nunca vou cantar, só que eu não tenho nenhuma música de cabeça. Eu tenho que ler a letra e mesmo assim eu não gravo, porque eu fico tão envolvido com o instrumento.
Capital News: Você gosta sua voz cantando?
Marcelo: Gosto. Olha que engraçado, eu gosto da minha voz cantando música em espanhol, não músicas brasileiras. Não sei, eu acho que de tanto ouvir o espanhol, a minha cultura latina, eu me sinto bem cantando nesse idioma.
Grandes Mestres:
Capital News: Você tem algum grande ídolo na música?
Marcelo: Meu ídolo maior sempre foi o Paco de Lucía, um violonista espanhol, que revolucionou o violão no mundo. Ele morreu no ano passado, mas a importância dele na música fez com que ele ganhasse vários títulos e o fez se tornar o número um do mundo. O violão só foi conhecido no mundo por causa do Paco. Já o nosso maior violonista, que morreu em 96, Raphael Rabello, que acompanhou grandes nomes da MPB brasileira, e ele foi inspirado pelo Paco de Lúcia. Ele ouvia uma música flamenga, por exemplo, e adaptava para o samba, o jeito brasileiro. O Brasil é uma escola de grandes músicos, mas o meu grande inspirador, desde pequeno, sempre foi o Paco.
A cultura no Mato Grosso do Sul:
Capital News: Como você vê o cenário cultural sul-matogrossense e campo-grandense? Você acha que o governo oferece incentivos suficientes para a cultura?
Marcelo: Eu vejo assim, nós estamos no caminho para melhorar. É claro que falta muito ainda, mas hoje eu vejo assim, as redes sociais ajudam muito os músicos a se comunicarem e se agilizarem para fazer alguma coisa, porque do jeito que estava antes, com aquele recurso tão baixo para a cultura, e teve o movimento do “1%” que eu participei também, todos os músicos se reunirem e fazerem o show na praça do rádio, então isso deu um boom no poder público e foi aceito.
Agora voltou novamente isso porque parece que o município estava querendo tirar o nosso direito. Isso é uma pena, porque a cultura é a base de uma sociedade melhor e sem cultura, eu acho que não há uma sociedade feliz ou uma cidade que caminhe para o progresso, porque a cultura é tudo. Ela está muito ligada à educação. Uma pessoa que lê que ouve boas músicas, isso só tem a ajudar no progresso, tanto pessoalmente como de toda uma sociedade. Então a gente tem que dar valor a nossa música raiz, aos nossos artistas da terra que estão se perdendo na memória.
“Saudações Pantaneiras”
Capital News: Nos conte um pouco sobre Loureiro e Espíndola dividindo o mesmo palco:
Marcelo: O Geraldo chegou para mim outro dia e disse que ele tinha uma ideia de nós fazermos uma turnê juntos. A gente chegou a entrar em alguns editais, só que hoje em dia eles pedem audiovisual, principalmente quando são artistas diferentes que vão se juntar. Porque uma coisa é eu mandar o meu material e ele mandar o dele, daí chegar lá e a gente dizer que quer cantar juntos. Então os editais exigem um material conjunto, daí a gente pensou, em vez de fazer isso tudo, vamos fazer um show e já gravamos esse material.
Daí com esse material a gente pode fazer muita coisa, pode ser projetos, alguma empresa privada querer bancar algum show. Pode ser até circuitos culturais, como temos o da Universidade Federal. Ou ainda, quem sabe, apresentações fora do país, por causa da abertura que ele tem o exterior.
Capital News: Da para falar um pouquinho do que o público vai ver no show?
Marcelo: Vamos fazer um show com músicas do Geraldo, algumas minhas instrumentais, mas basicamente: “As músicas do Geraldo Espíndola com uma ótica do Marcelo Loureiro, um arranjo e um jeito de tocar do Marcelo”.
Então vocês vão ouvir muita coisa diferente lá. Vida cigana tocada no Charango, uma levada meio de reggae. Na musica Fonte da Ilusão, que virou um hino do estado quando se fala em papai Noel, eu fiz um arranjo lindo entre piano e violoncelo, que o Geraldo achou fantástico. Então vai ser uma coisa bem diferente do que o pessoal está acostumado a ouvir.
O show deverá terá entre uma e uma hora e meia, mas isso depende do público, porque eu e o Geraldo gostamos de contar histórias, então se o público entrar no clima, a gente só sai de lá no outro dia (risos).