A onda de manifestações que surpreendeu a classe política no país levou milhares de brasileiros para as ruas de suas cidades no mês de junho. Os protestos começaram tímidos em Porto Alegre, no mês de março, antes do aumento da tarifa de ônibus, de R$B 2,85 para R$ 3,05.
No mês passado as reivindicações tomaram corpo com o protesto em São Paulo devido ao aumento do valor do transporte público. Com frases de ordem, mobilizadas pelas redes sociais, e com uma diversidade de solicitações e clamores, as manifestações aconteceram em todo o país, nos grandes centros urbanos a cidades pacatas do interior.
O resultado dessa ação foi a disposição do Governo Federal em consultar a população para uma reforma política no Brasil. Mas, até que ponto as manifestações foram, de fato, ações populares? E qual foi o real impacto de tantas reivindicações para a classe política? Para responder estas questões, o Capital News conversou com o sociólogo Paulo Cabral que faz uma análise crítica sobre as manifestações que ocorrem em todo o país e traça um diagnóstico para o atual cenário político.
Paulistano nascido no bairro do Bexiga, Paulo Cabral conheceu muito cedo a estratificação social e geográfica. No bairro em que nasceu e passou boa parte de sua infância e adolescência, ele morava na parte baixa, de onde via no meio do morro a classe média e na parte alta do morro, os milionários. O desquite de uma tia, em 1952, estremeceu as relações familiares e o desabafo de um amigo negro que revela para ele a existência do preconceito racial, motivaram Paulo Cabral para ingressar na faculdade de Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (Unesp) em Rio Claro. Um de seus professores era o sociólogo Fernando Henrique Cardoso.
Casado, pai de quatro filhos, Paulo Cabral nunca se filiou a nenhum partido político em nome da liberdade e independência para pensar e dizer coisas sem a restrição de cadeiras partidárias.
Capital News: Os protestos dos últimos dias e que levaram milhares de brasileiros para as ruas, podem ser chamadas de manifestações populares?
Paulo Cabral: Na verdade, não. É uma manifestação da classe média, fundamentalmente da classe média, e que tem uma característica nova, a mobilização pelas redes sociais. E quem está conectado pelas redes? Ainda não é a pobreza. Em que pese ter crescido no processo de inclusão digital, ainda a base da pirâmide está fora.

Para sociólogo as manifestações são da classe média
Foto: Rafael Gaijim/CapitalNews
Capital News: Quais são as principais características dessas manifestações?
Paulo Cabral: Além da mobilização pelas redes sociais, uma segunda característica que deixa bem claro que a manifestação é da classe média, é um certo espontaneísmo dessa manifestação, refletido pela dispersão de bandeiras. Existe um mote inicial que foi a questão da majoração do transporte público em São Paulo, tanto ônibus majorado pela prefeitura que é do PT quanto o aumento do metrô e trens pelo governo estadual do PSDB. Então, é um movimento que no seu nascedouro não tinha um viés partidário, que tinha o mote do transporte público e que já emenda na PEC 37, na saúde, educação, e uma série de coisas que veio para a rua.
Capital News: De que forma essa pluralidade de temas reforçam ou enfraquecem os protestos?
Paulo Cabral: Essa dispersão de bandeiras, essa falta de foco traz um problema muito sério que é a dificuldade de manter a mobilização. Porque quando você tem uma bandeira você aprofunda a luta em razão daquela bandeira, agora quando há uma multiplicidade tamanha de bandeiras, e, por exemplo, aqui em Campo Grande tinha um grupo a favor da PEC 37 e outra contra, que chega inclusive a comportar essas contradições, então fica muito difícil manter a pauta do movimento.
Capital News: E quanto à classe média?
Paulo Cabral: Em tese, teoricamente, a classe media é uma classe complicada por que se define pelo não ser, o que se define não é um atributo afirmativo, mas negativo, ela não é rica suficiente para legitimar suas ações pelo dinheiro e não é pobre o suficiente para se liberar. É uma classe angustiada, desesperada, doida para subir e morrendo de medo para descer, isso é a classe média, e por conta dessa natureza, não tem um projeto existencial ou político próprio. Ou adere ao projeto da burguesia ou adere ao projeto do proletariado, num esquema clássico. Ela não consegue ter um projeto próprio porque se define pelo não ser. Então, temos essa questão da classe média que quando se organiza em prol de alguma coisa, tem duas características, é individualista e imediatista. Enquanto que o proletariado consegue tocar uma luta porque pensa que mesmo que não consiga o que quer, mas se seus filhos e netos conseguirem já valeu a luta, é mais ou menos essa lógica da luta proletária e campesina, e também da burguesia, porque não penso só em si, mas na manutenção e garantia dos privilégios para seus sucessores; a classe média, não, se não é para se dar bem quem quiser que brigue e espera uma resposta agora, imediata. Característica muito presente nos movimentos de classe média é esse povo que vai para a rua e tem um aspecto positivo. É muito legal ver a perplexidade da classe política, que é efetiva. Alguns partidos tentaram tirar proveito, mas esse movimento queria deixar muito claro que não era para partido nenhum se apropriar dele, e aí temos outra questão que é muito profunda e complexa que é o fato da classe média vir se desencantando desde o processo de redemocratização.
Capital News: Como foi esse processo desde o movimento das Diretas Já até o movimento de hoje?
Paulo Cabral: A classe média, junto com o restante da sociedade civil brasileira, briga pela redemocratização do país temos a luta pelas Diretas Já, que seguramente, foi a maior manifestação popular do país, que chegou a reunir em 1984, com população menor, mas juntou o país inteiro, sem qualquer distúrbio ou perturbação da ordem, porque tinha uma causa específica que era o direito de escolher o presidente e havia comando. Essa classe média que participou também batalhou para eleger Fernando Collor, porque não queria votar no “sapo barbudo” do Lula, analfabeto e operário, então, descarrega no Collor a esperança e a primeira medida dele ao tomar o poder foi confiscar a poupança que significa atingir diretamente a classe média, porque o rico aplicava em coisas mais rentáveis, e no exterior, e pobre não tinha dinheiro. Collor é deposto e não foi exclusivamente pelo movimento dos Caras Pintadas. A classe média vota no Fernando Henrique Cardoso porque de novo não iriam votar no Lula, e FHC confisca os vencimentos dos servidores públicos federais, municipais e estaduais, e também atinge a classe média, porque há uma política econômica de privilegiamento do grande capital e tem um quadro de recessão. Depois de FHC, parte da classe, vota no Lula com a expectativa de mudança e por conta da bandeira de moralidade do PT e aí tem uma prática política do PT no governo que não diferiu na essência da prática política dos outros partidos, o governo de coalizão impõe a permanência e uso de práticas políticas condenáveis, e aí a classe média se desencanta por completo, e passa a votar nulo e branco e a se abster de votar, O que acontece é que a classe média não se sente representada pela classe política, seja no parlamento, no Congresso Nacional, não há representantes dessa classe. Temos a bancada evangélica, dos empreiteiros, ruralistas, dos bancos, mas não tem bancada da classe média, não há nenhum movimento político se articulando por isso, e por outro lado, a classe política parece deixar bem claro que não quer representar.

Paulo lembra as lutas da sociedade civil e a expectativa de mudanças no país
Foto: Rafael Gaijim/CapitalNews
Capital News: O que essa falta de representação pode ocasionar para o país?
Paulo Cabral: Quando a classe média vai para a rua para dizer que chegou, que é a gota d’água ela diz que não tem um canal de interlocução política e isso é grave, porque quando um grupo não tem uma interlocução esse grupo pode ser cooptado por qualquer proposta salvacionista. Não por acaso, a classe média já elege Joaquim Barbosa como ídolo pop, uma figura controversa que no ponto de vista jurídico cometeu algumas atitudes questionáveis e que está sendo visto como o paladino da justiça e da moral. Não há uma solução salvacionista, mas é preciso construir uma solução política.
Capital News: A reposta da presidente, em realizar uma consulta popular, para a reforma política é algo concreto?
Paulo Cabral: A Dilma teve um sendo oportuno, os outros levariam mais tempo. Ela, na sexta-feira da mesma semana se pronuncia, dizendo que é legítimo se manifestar condena os atos de vandalismo, faz o contraponto para que seja no limite da ordem e na segunda-feira chama prefeitos e governadores para conversar e é aí que ela coloca sobre mobilidade urbana, reforma política, e outros assuntos. A Dilma teve o senso de oportunidade em dizer, eu sou a presidente. A reforma política está pautada desde o Fernando Henrique, a pelo menos dez anos ela está pautada, e o Congresso Nacional não tem interesse em mudar nada, porque a mudança pode dificultar a manutenção do poder. Se esperarmos que, espontaneamente, a classe política se decida a alterar regras que possa dificultar sua entrada no poder, e a Dilma percebe que essa classe média se aparta do processo político, a classe clama pela reforma política. Independentemente do modo como fosse ser alterada a condução desse processo, não pode ser do Executivo, mas do Legislativo, e de certa forma, a Dilma coloca a classe política na parede, faz abrir os olhos. O que a classe política fez, arquivou a PEC 37, colocou a corrupção como crime hediondo, mas não mexeram nos corruptores, então fizeram a metade da lição de casa, e o calendário não permite que seja agora, e fica para depois, e o depois não virá.
Capital News: Como podemos costurar o cenário político do país com a situação política em Campo Grande. Houve com a eleição do ano passado uma mudança de governo municipal, e ao que se parece, o executivo e o legislativo municipal não se entendem.
Paulo Cabral: Eu diria que estamos em uma situação esdrúxula. Outro dia eu ouvi alguém dizer, que o povo escolheu esse prefeito, e eu dissemos que não, não coloque a culpa no povo. Na realidade tivemos uma situação em que vinha uma administração desgastada, do ex-prefeito, que deixou muito a desejar na questão do transporte, e ainda aumenta a tarifa quando as empresas retiraram os cobradores dos ônibus, havia um desgaste de uma administração municipal. Puccinelli mudou a cidade, foi uma administração irrepreensível. Mas, ele impõe um candidato de sua preferência, a revelia do partido. Temos uma Câmara, que de certa forma, eu fico até indignado, porque antes era uma instância homologatória, e agora fica numa política rasa, a Câmara está prestando um desserviço ao amadurecimento político. Assistimos a um debate raso, um jogo de manipulação. Eu diria que o cenário político em Campo Grande é um dos mais sombrios a menos que a Câmara bote a mão na consciência, se sensibilize com o clamor do povo e entenda que o povo está de olho.
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