Sexta-feira, 03 de Maio de 2024


ENTREVISTA Sábado, 23 de Dezembro de 2023, 08:16 - A | A

Sábado, 23 de Dezembro de 2023, 08h:16 - A | A

Entrevista

As festas de final de ano e o autismo

Psicóloga dá dicas aos pais de como agir durante as festividades

Renata Portela
Especial para o Capital News

Acervo Pessoal

As festas de final de ano e o autismo

A psicóloga Ketilly Gomes diz que uma dica boa é usar o Natal e Ano Novo como uma oportunidade para ensinar habilidades sociais e emocionais a seus filhos

Final de ano chegou e com ele as festas e confraternizações. O que para muita gente é momento de alegria, para algumas famílias, que possuem uma criança com com TEA (Transtorno do Espectro do Autista), pode ser sinônimo de preocupação.

Isso porque, normalmente as celebrações contam com a presença de muita gente, e com isso, o barulho se torna algo inevitável, para o indivíduo com autismo ficar num ambiente assim.Além do barulho das músicas e de muita gente falando ao mesmo tempo, algo bastante comum são os fogos de artifício com estampidos, embora sejam proibidos em Campo Grande, muita gente ainda não respeita a legislação.

Mas o que fazer? Desistir de participar das confraternizações? Calma! Com um bom planejamento e tomando algumas providências é possível organizar ótimas festas de final de ano. Quem explica como é a Psicóloga clínica e escolar Ketilly Gomes. Ela é Especialista em Psicologia da Saúde e Gestão Estratégica em Educação Básica (FIOCRUZ), Mestre em Saúde e Desenvolvimento (UFMS).

1. Capital News: O que é o TEA ?

Ketilly Gomes: O transtorno do espectro do autismo (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por desenvolvimento anormal, exibição de comportamento, déficits de comunicação e interação social. Além disso, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podem apresentar interesses e atividades limitados.

O Transtorno do espectro do autismo (TEA) é um termo usado para descrever vários distúrbios do neurodesenvolvimento. Os sintomas da disfunção começam a aparecer na infância e continuam na idade adulta porque a doença é crônica e, embora possa ser amenizada com tratamentos, não há cura.

Fisicamente, pessoas com autismo não são diferentes de ninguém, contudo,as diferenças são perceptíveis quando se consideram os processos de comunicação, aprendizagem, comportamento e interação social.

2. Capital News: Todos os autistas são mais sensíveis a barulhos? Explique.

Ketilly Gomes: Muitas vezes, crianças autistas podem ser vistas tapando os ouvidos, escondendo-se ou tendo medo de certos sons ou objetos.

Esse comportamento geralmente é causado por uma hiper- sensibilidade.Pessoas com esse distúrbio sensorial percebem os sons com muito mais intensidade, tornando-os insuportáveis. Em alguns casos, estímulos auditivos considerados “normais”, estímulos imprevisíveis (por exemplo, buzinas) ou estímulos inaudíveis podem causar angústia, tristeza, ódio, medo, pânico e dor física auditiva.Muitas pessoas autistas apresentam hipersensibilidade, o que, como o nome sugere, as torna mais sensíveis aos sons do que a população em geral.

3. Capital News: As festividades exigem do autista uma disposição muito maior para o convívio social, porque ? E isso independe da idade?

Ketilly Gomes: A época de festas de Natal e Ano Novo pode ser difícil devido à superestimulação do ambiente, o que pode gerar dificuldades
comportamentais em crianças autistas sensíveis à sobrecarga sensorial. As festividades exigem mais socialização para os autistas, e isso se aplica a autistas de todas as idades.
Como mencionado acima, algumas pessoas autistas são mais sensíveis ao ruído, barulho, enquanto outras podem ter dificuldade em socializar. Este momento é muito difícil para eles, o que cabe a nós enquanto cidadãos conscientes manter o olhar para além do autista e buscar acolhê-lo em suas emoções.

4. Capital News: Pode se dizer que o final do ano é uma época estressante para eles e o que fazer para minimizar os impactos neste período?

Se o seu filho é sensível ao ruído, pode ser uma boa ideia evitar música alta

Ketilly Gomes: Se quiser evitar perder momentos de fraternidade, confraternização e reduzir suas chances de estresse, você pode reduzir esse estresse seguindo estas dicas:
Evite expor pessoas autistas a coisas às quais elas são mais sensíveis, como ruído, som muito alto, luz e comida.
Crie um ambiente no qual seu filho (a) se adapte e se sinta pertencente àquele local. Se o seu filho é sensível ao ruído, pode ser uma boa ideia evitar música alta e criar um ambiente silencioso sem muito barulho para ele usar quando precisar de um tempo longe da agitação para que se organize internamente ou queira descansar.

5. Capital News: Qual é o primeiro passo que a família tem que dar antes de sair de casa?

Ketilly Gomes: Minha orientação é baseada em minha experiência como psicóloga clínica/escolar. Explique para onde vocês estão indo e quais comportamentos sociais esperam de seu filho (a). Deixe claro para ele o que se espera dele, explicando: “Hoje vamos para a casa da vovó participar de uma festa”. Além disso, use reforços positivos. Pode ser o brinquedo favorito da criança ou uma atividade que ela goste. Também é interessante deixar seu filho decidir qual reforço positivo usar, qual brinquedo ele se identifica mais.

6. Capital News: Lançar mão das opções que, sensorialmente, dão prazer ao autista ou seja, é uma estratégia nesta época?

Ketilly Gomes: Para compreender as necessidades e características das crianças com autismo, é importante compreender que elas podem ter dificuldade em expressar as suas próprias emoções, compreender as emoções dos outros e experimentar comportamentos repetitivos. Como adulto da relação e responsável pela criança você pode colocar na balança se a festa é ideal, adequada para a criança ou não. O olhar empático não passa ser deixado de lado nesse momento, dá voz ao autista, acolhe suas emoções e ensina –o a conviver da maneira dele com os demais.

Acervo Pessoal

As festas de final de ano e o autismo

Se você decidir levar seu filho autista para um grande evento de final de ano, tenha um “Plano B” alternativo, diz psicóloga Ketilly Gomes

7. Capital News: O que fazer para que a criança/ adulto não entre em crise e caso isso aconteça o que fazer?

Ketilly Gomes: Caso isso aconteça, direcione-a a um lugar calmo e seguro, a fim de que ela possa se acalmar. Aguarde até que ela se acalme e, quando isso acontecer, engaje-a em uma atividade ou tarefa alternativa até ela demonstrar cooperação. Disponibilize reforçadores sociais à vontade e faça muitos elogios para os comportamentos de cooperação. Entenda que o cérebro o autista funciona diferente do seu, mas seu coração funciona como o nosso; ou seja, o acolhimento das emoções é fundamental nesse momento. Abrace, diga-lhe que não está sozinho, que se importa com seus sentimentos. Os autistas tem um afeto incrível e um amor profundo, são tão capazes como nós de compreender os sentimentos.

8. Capital News: Fogos de artifício, embora os com estampidos estejam proibidos no Estado, algumas pessoas ainda utilizam, o que fazer caso a criança/ adulto entre em crise?

Ketilly Gomes: Se os pais já sabem que os sons têm grande chance de trazer desconforto ao filho, a primeira medida é tentar amenizá-los. “Busquem um local que seja menos barulhento”. Protetores e abafadores de ouvido também podem ser usados como estratégia para diminuir a entrada de estímulos aversivos.

É fundamental que o adulto passe segurança à criança com autismo. “Se mantenha calmo, mesmo que ela se agite. Fique próximo, dê um abraço ou pegue no colo, caso ela aceite”

9. Capital News: Como as pessoas, de uma forma geral, podem ajudar?

Ketilly Gomes: É muito importante explicar às famílias sobre a sobrecarga sensorial que as crianças podem sentir e, ao dar presentes, é importante rotular a parte externa do presente com uma imagem do presente para reduzir a ansiedade. Se você vai passar o Natal fora de casa, coloque em uma sacola aconchegante os itens com os quais seu filho se sente confortável ou gosta de brincar (carrinhos, plásticos ou bonecas, livros e jogos). Evite dar a ele apenas celulares e tablets para que ele possa se isolar e ficar tranquilo. Normalmente, do final de novembro a dezembro, todo o nosso ambiente muda, dando início à temporada de férias de Natal e Ano Novo. Decorações extravagantes, luzes, músicas, bonecos gigantes, pessoas fantasiadas de Papai Noel, sons anunciando promoções, cartazes, mais gente circulando pela cidade, cheiros desconhecidos, lojas lotadas e muitos outros estímulos. Mesmo em casa, o ambiente começou a mudar, começando pela decoração da casa e planejando as festas de Natal e Ano Novo. As rotinas normais são abandonadas e sair de casa significa lidar com multidões, luzes, ruídos e cheiros estranhos. É uma boa ideia pedir ajuda às crianças/adolescentes na escolha da decoração e na organização dos presentes. Aproveite as coisas que ele gosta de fazer e inclua-as nas atividades relacionadas à festa, como pedir que ele faça desenhos para dar à família. Acima de tudo, vale também mostrar para ele o que ele vai vestir no dia da festa. Este ano em particular, estas questões tornam-se mais complexas pelo fato de estarmos retornando de uma pandemia. É claro que isto é algo muito positivo para todos nós, mas também é analisado no contexto do espectro do autismo. Algumas pessoas, especialmente crianças e adolescentes com TEA, podem ter mais dificuldade de adaptação ao reentrar em situações sociais e “novas”. Afinal, vivenciaram, devido à pandemia, um longo período de maior isolamento, de convívio reduzido com os pares e de restrições de atividades ao ar livre, o que, naturalmente, fez com que ficassem mais expostos à telas, favorecendo alterações sensoriais e menor interesse nas relações sociais e atividades em grupo.

10. Capital News: Qual dica final você deixa?

Se você decidir levar seu filho autista para um grande evento de final de ano, tenha um “Plano B”

Ketilly Gomes: Algumas crianças conseguem lidar com multidões e barulho, mas apenas por um tempo limitado. Se você decidir levar seu filho autista para um grande evento de final de ano, tenha um “Plano B” alternativo, caso isso se torne um fardo muito grande para seu filho. Se você tem irmãos ou outros amigos com você, planeje com antecedência quem auxiliará a cuidar de seu filho autista em situações difíceis e permita que outras pessoas fiquem e aproveitem a experiência. Nem tudo está tão ruim e desagradável agora. Use o Natal e o Ano Novo como uma oportunidade para ensinar habilidades sociais e emocionais a seus filhos. Incentive a linguagem amigável e a interação social mútua, forneça brinquedos ou jogos para o seu filho brincar com outras crianças em vez de sozinho, e organize tarefas para o seu filho fazer no dia de Natal (por exemplo, fornecer toalhas, colocar coisas na mesa, talheres, etc.). Ensine regras sociais, ajude seu filho a dar presentes, pense nas necessidades dos outros, promova a empatia, a solidariedade e a gratidão, seja grato pelos presentes mesmo que ele não goste deles, seja gentil e esteja disposto a ajudar nos deveres de casa. Decore sua casa gradualmente. Não decore enquanto seu filho estiver dormindo, embrulhe e decore se possível e use luzes cintilantes com moderação. Gradualmente, introduzir mudanças no ambiente, começando pelas luzes de Natal, tomando cuidado com objetos que as crianças possam quebrar ou machucar, e procurando enfeites de plástico. Precisamos desenvolver estratégias para lidar com as mudanças ambientais, as rotinas e a sobrecarga sensorial, mas elas devem ser utilizadas com moderação. Se nos protegermos demasiado com rotinas rígidas durante muito tempo, isso não ajudará as crianças autistas a desenvolver as suas capacidades mentais e flexibilidade. O autismo dura a vida toda e as crianças com autismo precisam desenvolver habilidades para a vida, mas se estiverem muito protegidas não poderão desenvolver habilidades para a vida.

Acolhe, ame, beije, abrace e sejam felizes!

Feliz Natal e feliz Ano Novo!

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