Campo Grande Quarta-feira, 24 de Abril de 2024


Viagens Terça-feira, 02 de Abril de 2019, 16:37 - A | A

Terça-feira, 02 de Abril de 2019, 16h:37 - A | A

Coluna Viagens

A Paris “positiva”: como visitar a casa e a capela dedicada a Auguste Comte na capital francesa

Por Raphael Granucci

Da coluna Viagens
Artigo de responsabilidade do autor

Fundador da sociologia e da filosofia positiva, Comte inspirou também uma religião que, tempos depois, ajudou a moldar o Brasil republicano

Divulgação

ColunaViagens

Auguste Comte é conhecido pelos historiadores da ciência como um dos pais da sociologia, da filosofia do positivismo e da religião da humanidade.

No entanto, por 16 anos, de 1841 até sua morte, em 1857, Comte manteve uma vida modesta em um apartamento na Rue Monsieur-le-Prince, no sexto arrondissement, no bairro de Odéon, em Paris, onde ele escreveu a maior parte dos seus grandes livros sobre filosofia, sociologia, política e religião. Hoje, os visitantes que refazem os passos dos seus peregrinos intelectuais do século XIX encontram ali, no número 10 da rua, um museu, uma livraria e um arquivo sobre ele e suas obras -- em uma das salas há a bandeira do Brasil, cujo lema "Ordem e Progresso" foi inspirado na filosofia positiva.

Os dormitórios de Comte estão preservados e, para aqueles que desejam fazer uma visita mais científica, a livraria e o arquivo são abertos e permitem que os estudantes e interessados acessem periódicos, registro em foto e outros materiais impressos relativos aos aspectos do pensamento positivista na França, na Inglaterra e em outros países.

A casa de Comte em Paris, aliás, assim como o acervo, foram salvos com a ajuda do embaixador brasileiro na Unesco, braço para a cultura da ONU, Paulo Carneiro, que dedicou toda sua carreira diplomática à preservação da obra do filósofo francês. Foi ele que, em 1953, fundou a Associação Internacional da Maison d'Auguste Comte, na Rue Payenne, responsável por transformar sua antiga residência em um museu. No local se encontra a Chapelle de l'Humanité, erguida no começo do século XX por positivistas brasileiros.

Os trabalhos de Comte, especialmente o Curso de Filosofia Positiva (1830), tiveram um grande impacto na vida intelectual francesa e britânica. O escritor Alexander Bain, por exemplo, relatou da seguinte forma uma visita dele a Comte naqueles anos: "a casa é modesta o suficiente, sendo somente um meio-piso com três ou quatro quartos conjugados, e conservado por uma única empregada. Comte nos recebeu com uma capa brilhante e colorida -- que significava, em termos estéticos, que ele era um homem francês".

Essa postura francesa, para o escritor britânico, era uma "severa denúncia ou um auto-engrandencimento desprovido de qualquer senso de humor. De homens como Aristóteles, Milton, bispo Butler e Wordsworth, é seguro dizer que eles queriam ter esse senso de humor, mas, em pura negação, provavelmente, eles nunca se aproximaram de Auguste Comte".

Durante uma visita a Paris, em 1865, alguns anos após a morte de Comte, os também britânicos George Eliot (pseudônimo da escritora Mary Ann Evans) e G. H. Lewes afirmaram que a casa do grande mestre positivista fora uma das coisas mais interessantes que eles viram na capital francesa. Eliot escreveu a um amigo: "Nós achamos o apartamento muito amigável e eu cogitei que teria escrito melhor naquele pequeno estúdio do que na minha própria casa".

O escritor e sociólogo alemão Wolf Lepenies, autor do livro Três Culturas (Edusp, 1996), escreveu em dos capítulos de sua obra que, quando se entra no museu-casa de Comte, "fica-se surpreso com o quanto do espírito dele permanece vivo lá. Não se pode deixar de perceber a seriedade dessa vida, acompanhada pelo sofrimento e pela fama". Ele ainda conta que Comte pediu, em seu testamento, que nada no apartamento fosse modificado: sua escrivaninha ainda fica, como os visitantes podem ver, no mesmo lugar onde o filósofo escrevia, junto a uma parede onde é possível ver um espelho da mesma largura do móvel. "Ao escrever, Comte via sempre a si mesmo", notou Lepenies.

Além dos trabalhos sociológicos e filosóficos, o museu não deixa de contar alguns detalhes sobre sua vida pessoal, como o casamento com Caroline Massin, uma das prostitutas do Palais Royal, em Paris, contra a vontade dos seus pais. Ele diria anos depois que aquilo fora seu maior erro, porque essa relação lançaria uma sombra sobre toda a sua vida, mesmo depois de sua separação, em 1842. Dois anos depois, ele perdeu seu posto de examinador da École Polytechnique e passou a desenvolver o que seria seu próximo grande trabalho: Système de politique positive, permeado por repetidas crises nervosas que só seriam sanadas quando ele conheceu Clotilde de Vaux.

Apesar de ser leitor de filósofos como Giambattista Vico e John Stuart Mill e de poetas como Dante, Petrarca, Tasso e Ariosto – dizia que “a melodia expressiva das poesias é o que mais aproxima da música”, e de se distrair ouvindo música e vendo quadros, Comte não era sociável: mesmo frequentando as óperas de Paris, evitava contatos com a sociedade. Comte acreditava que, se um dia deixasse de sentir prazer com a arte, como no caso da música, seu desenvolvimento intelectual entraria em estagnação.

Devotos verdadeiros da filosofia comtiana podem visitar não apenas a Maison d'Auguste Comte, na rue Monsieur-le-Prince, número 10, mas também a sobrevivente Chapelle de l'Humanité, no número 5 da Rue Payenne, no Marais, a tumba do filósofo na quadra 17 do cemitério Père Lachaise (incluindo um monumento erguido por positivistas brasileiros em 1983), uma estátua de Comte na Place de la Sorbonne e a Rue Clotilde de Vaux, batizada por causa da mulher que serviu de inspiração para a mudança radical da vida e da obra de Comte: da racionalidade positivista para a religião positiva.

Serviço
Maison d'Auguste Comte
10, Rue de Monsieur-le-Prince, Odéon, Paris
Como chegar: estação Odéon do metrô -- Linhas 4 e 10
Ingresso: €4
Horários: Terças, das 18h às 21h e quartas, das 14h às 17h

Comente esta notícia


Reportagem Especial LEIA MAIS