A boa ciência agronômica indica que não basta produzir, o sistema de produção precisa ser sustentável. A produtividade de uma cultura é um dos índices utilizados para aferir a sustentabilidade. Para isto, necessita ser lastreada em tecnologias e processos reconhecidamente sustentáveis. Uma das formas de aumentar a produtividade, em bases sustentáveis, é a polinização. Vamos usar o exemplo da soja para demonstrar a importância da polinização para a produtividade e a sustentabilidade agrícolas.
Comecemos analisando a importância da soja. Trata-se da quarta planta alimentícia mais cultivada no mundo. Ela contribui com 25% do óleo comestível e 65% da proteína para formulação de rações para consumo animal. Desde a década de 1970, a produção de soja cresceu mais rápido do que qualquer uma das principais culturas, prevendo-se produção superior a 420 milhões de toneladas (Mt) na safra 2024/25. O Brasil consolida-se como o maior produtor mundial, respondendo por 40% da produção, com previsão de colher cerca de 164 Mt, cultivando cerca de 47 Mha. É um mercado líquido, aberto, e com demanda garantida nas próximas décadas.
Polinização
Examinemos a polinização, que é um dos serviços ecossistêmicos mais importantes. Estima-se que 30% da produção mundial de alimentos dependa de polinizadores, que adicionam mais de US$ 200 bilhões anuais ao valor da produção agrícola. E esse serviço da Natureza é prestado gratuitamente.
A polinização é responsável pela reprodução e perpetuação das espécies vegetais. Estima-se que cerca de 300 mil espécies de plantas com flores habitem nosso planeta, das quais em torno de 1.200 fornecem produtos agrícolas, como alimentos e fibras. Cerca de 75% das plantas com flores – cultivadas ou não - dependem, em algum grau, de polinização por animais. Para tanto, contam com dezenas de milhares de espécies, que são os polinizadores, em especial as abelhas.
Soja e polinização
Nos textos clássicos, a soja é descrita como uma planta autógama, ou seja, aquela que se autopoliniza, não depende de polinizadores. Também é dita cleistogâmica: quando as flores se abrem, a maioria delas estaria devidamente autopolinizada.
Mas, em ciência, a verdade é sempre a última verdade. Estudos recentes demonstraram que as flores de soja podem ser polinizadas por visitantes florais até seis horas após a sua abertura.
Os insetos se orientam na busca por recursos, principalmente alimentos, por características como forma, tamanho, cor e substâncias voláteis indicadoras. As plantas valem-se disso para atrair polinizadores. Uma vez atraídos, são reforçados para continuar visitando flores de uma determinada espécie de planta a fim de obter recursos (recompensas) para sua sobrevivência. Essas recompensas são pólen, néctar, resinas, ceras, lipídios e óleos essenciais.
Aí entram os novos estudos agronômicos, demonstrando que a soja possui características de flores que, ativamente, atraem polinizadores. Observe o raciocínio: se as abelhas são atraídas para as flores de soja, usando recursos e energia essenciais para as plantas, então existe uma razão importante para tanto.
Soja e abelhas
O que não mudou é que a soja tem baixa dependência de polinização externa; ela produz sementes mesmo na ausência de polinizadores. A novidade da ciência agronômica é que, quando ocorre polinização suplementar por visitantes florais, a produtividade de soja é aumentada. Isso explica porque a soja atrai, ativamente, polinizadores: ela vai produzir mais sementes, para cumprir seu objetivo de perpetuar a espécie.
Para atrair abelhas, a soja lança no ar substâncias voláteis, que orientam as abelhas até suas flores. Mas, apenas atrair, não é suficiente. Para garantir a fidelidade das abelhas, para assegurar que elas retornem muitas vezes até suas flores, o néctar é a principal recompensa da soja para as abelhas. É um néctar de elevada qualidade, com alta concentração de açúcares, e produzido em grande quantidade. O pico da oferta de néctar ocorre entre 10h e 12h da manhã.
Estrategicamente, a integração harmônica de abelhas silvestres ou manejadas com a cultura da soja é primordial pois, com a expansão contínua de área, as lavouras de soja estão se aproximando dos repositórios de abelhas nativas ou dos apiários fixos. Com a descoberta da soja como um excelente pasto apícola, os apicultores estão posicionando seus apiários migratórios nas proximidades de áreas de cultivo de soja, para permitir que as abelhas forrageiem na soja. Aí é que entra a ciência agronômica, viabilizando esta integração.
Mais produtividade
Por que as abelhas aumentam a produtividade da soja? Esta é a pergunta que vale milhões de dólares, respondida pelos engenheiros agrônomos. O ovário da soja possui de 3 a 4 óvulos, mas pode ter até até seis óvulos. Os sojicultores sabem que, em condições normais de campo, são encontradas entre duas e três sementes por vagem. Portanto, nem todos os óvulos são fecundados. Aí entram as abelhas, aumentando a deposição de pólen no estigma, propiciando a formação de mais tubos polínicos, e elevando a probabilidade da fertilização dos óvulos. Nas lavouras próximas a apiários foi observado maior número de vagens com 3 e 4 grãos e menor número de vagens chochas ou com um grão, além de grãos mais pesados.
Em geral, os estudos realizados em diferentes países mostram um aumento médio de produtividade da soja entre 15-20%, na presença de população adequada de abelhas. Em alguns casos, os ganhos de produtividade chegam a 30%, às vezes mais.
As investigações da Embrapa mostraram ganhos médios de 13% na produtividade da soja, ao longo de diversos anos. É essencial verificar que o incremento de produtividade significa uma renda líquida para o produtor. Ocorre que para a integração entre soja e abelhas, não há necessidade de alteração no sistema de produção de soja, sendo utilizada a mesma quantidade de sementes, adubo, pesticida ou óleo diesel, ou seja, os custos permanecem os mesmos. Considerando a produtividade média da safra 2022/23, a cotação atual da soja e o incremento de produtividade observado nos estudos da Embrapa, significa uma renda líquida adicional de R$1.500,00 por hectare. O que equivale a 25-30% do custo de produção estimado para a safra 2024/25.
Ganha-ganha
Com a constatação do aumento da produtividade de soja pela presença de abelhas próximo às lavouras, os sojicultores estão mostrando interesse crescente na colocação de apiários nas bordas das áreas de cultivo com a soja. Os apicultores também têm demonstrado empenho, porque obtém um pasto apícola farto e de alta qualidade, produzindo um mel muito valorizado no mercado. Por isso que a integração soja e abelhas é um processo ganha-ganha: ganham os apicultores, os sojicultores, o ambiente, a sociedade, o Brasil e o mundo.
As emissões de gases de efeito estufa são calculadas ao longo do ciclo da soja, em sua maioria decorrentes dos insumos e das máquinas utilizadas. Ao colher mais, usando a mesma quantidade de insumos, sem aumentar a área cultivada, o produtor de soja está diminuindo o volume de emissões por tonelada de soja produzida. Esse é um fato muito importante para compor a imagem de sustentabilidade da agricultura brasileira junto aos consumidores dos países que importam nossos produtos.
De acordo com os estudos da Embrapa, se a produtividade de soja for aumentada em 20% é possível reduzir em 25% a emissão de gás carbônico equivalente, por tonelada de soja produzida. Isso sem contar o ganho por evitar a expansão da área, pois os cálculos de emissões por mudança de uso da terra são muito complexos, e variam de acordo com o bioma.
Em resumo, a ciência agronômica não apenas desvendou a interação benéfica entre soja e abelhas, mas também quantificou seus efeitos na produtividade e na economia, viabilizou a aplicação prática dessa integração no campo e demonstrou seu papel fundamental na construção de um sistema de produção de soja mais sustentável. É com tecnologias como esta que os engenheiros agrônomos estão tornando o agro brasileiro um dos mais sustentáveis do mundo.
*Décio Luiz Gazzoni
Engenheiro agrônomo, membro do Conselho Científico Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência
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