No debate educacional, há temas que não inspiram apenas reflexão — inflamam paixões. Um deles é a presença do setor privado na educação pública. As chamadas parcerias público-privadas (PPPs), em seu sentido amplo e não apenas as formalizadas pela Lei nº 11.079/2004, carregam uma aura de eficiência, mas também o risco de transformar a escola em espaço de negócios. Como, então, falar sobre PPPs sem cair no pessimismo crônico ou no otimismo ingênuo?
Na prática, PPPs educacionais envolvem parcerias e contratos firmados entre o poder público e empresas para o fornecimento de infraestrutura, serviços ou tecnologias. Isso pode significar desde a construção de escolas até a implementação de plataformas digitais de ensino, passando por kits pedagógicos, alimentação, softwares de gestão e formação continuada de professores. Países desenvolvidos e em desenvolvimento servem como estudos de caso convincentes, demonstrando como colaborações entre entidades públicas e organizações privadas podem impulsionar melhorias substanciais no acesso e na qualidade da Educação.
Um exemplo internacional relevante vem do Reino Unido. O modelo inglês de PPPs educacionais tem foco exclusivo na infraestrutura, com resultados sólidos e recentes revisões positivas. O Priority School Building Programme (PSBP), lançado com orçamento inicial de £4,4 bilhões, fechou suas duas fases em 2021, beneficiando 537 escolas. O modelo, ainda em operação, segue um processo estruturado de melhoria contínua e modernização. Estudos divulgados em 2023 apontam redução de custos de cerca de 33 % por metro quadrado, além da entrega acelerada e redução de burocracia. Os resultados incluem ambientes escolares mais seguros e confortáveis, ganhos em eficiência energética, além de impactos positivos na frequência e no desempenho acadêmico dos estudantes. Trata-se de um modelo que preserva a autonomia pedagógica, reafirmando o papel central do Estado como garantidor do direito à educação.
Apesar de poucas parcerias consolidadas na área da educação, o Brasil também possui exemplos bem sucedidos de PPPs. A prefeitura de Belo Horizonte implantou em 2012 a primeira PPP na área da educação básica. Foi formalizado um contrato de concessão administrativa para construção e gestão de 51 unidades escolares. Segundo estudos da Universidade Federal Fluminense em 2024, financiado pelo Ministério da Educação, a PPP reduziu o custo mensal por aluno em 66%. Já no campo pedagógico, segundo dissertação de mestrado defendida por aluno da Fundação Getúlio Vargas (2015), a PPP ajudou no aumento em 25% do tempo que diretores dedicam à gestão pedagógica.
Outro exemplo mais recente e em andamento é o Programa Parceiro da Escola, do governo do Paraná, que visa modernizar a gestão administrativa de escolas públicas por meio da colaboração com instituições privadas com experiência comprovada em gestão educacional. Depois de um projeto piloto bem sucedido em duas escolas, 82 escolas estaduais passaram a integrar o programa neste ano letivo, mantendo o currículo e a gestão pedagógica sob total responsabilidade do Estado. Os primeiros resultados apontam avanços: aumento da frequência escolar, redução de aulas vagas, mais dedicação dos diretores às atividades pedagógicas e estímulo à participação de alunos no Enem.
Apesar do debate acalorado em torno do tema, é importante reconhecer que para avançarmos na educação de forma estrutural é preciso inovar e arriscar mudanças. E toda mudança requer tentativa e erro. Por isso, é preciso aplaudir os governos dispostos a testar caminhos diferentes. Simplesmente permanecer executando o mesmo modelo que já se comprovou ineficaz não vai permitir alcançarmos resultados diversos dos atuais.
Convenhamos, a tarefa dos estados de administrar com eficiência e efetividade um volume gigante de escolas (o estado de São Paulo tem mais de 5 mil escolas na rede pública estadual) é hercúlea, quase impossível. Não existe paralelo no mundo. E, infelizmente, diante de tamanho desafio, os resultados alcançados não possuem o condão de conduzir o Brasil para um salto na qualidade da aprendizagem, conforme resultado do último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), realizado em 2022.
Diante desse cenário, por que não ousar e experimentar modelos alternativos? Acredito que testar, errar e inovar na gestão educacional é o único caminho para mudar o jogo. Se o resultado final for um aumento de aprendizado sem necessariamente haver aumento de custo, é sinal que o programa foi bem-sucedido. Se não der certo, tenta-se de outra forma. O que não podemos é aceitar o status quo sem antes ousar tentar fazer diferente.
O programa paranaense e o SOMAR, de Minas Gerais, são exemplos dessa tentativa de avanço, de testar desafiar o modelo atual em busca de melhores resultados na aprendizagem e no futuro dos alunos das redes públicas de ensino.
Uma pesquisa independente, realizada recentemente com os responsáveis dos alunos das 82 escolas participantes do programa Parceiro da Escola, no Paraná, mostrou um índice de satisfação superior a 86% com a iniciativa. Ou seja, os responsáveis reconhecem e valorizam a tentativa de mudança no modelo de gestão das escolas públicas. Se o modelo for eficaz, poderá apontar um novo caminho para a educação pública. Se não funcionar, a experiência trará lições valiosas — e novas soluções terão de ser buscadas.
A educação pública brasileira enfrenta desafios imensos — mas não deve buscar atalhos fáceis. PPP não é solução mágica: é uma ferramenta que pode, ou não, contribuir para a garantia do direito à educação de qualidade. O que define essa trajetória é o projeto de sociedade que orienta a política educacional.
É preciso coragem para desafiar as velhas opiniões que insistem em parar o tempo, para arriscar novos caminhos, mas, sobretudo, para avaliar cada parceria com honestidade crítica e compromisso com as crianças, jovens e educadores que habitam o chão da escola pública.
*Fred Melo
Araduado em Direito pela PUC-Minas, especialista em Direito Público e Mestre em Administração. É cofundador do Instituto Alicerce, cofundador do Instituto Transforma Edu e diretor-executivo da APG GOV.
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