Imagine finalmente alcançar a tão esperada aposentadoria, após décadas de trabalho e contribuição. Antes mesmo de comemorar, começa o bombardeio: dezenas de ligações, mensagens e propostas de empréstimos consignados, cartões, seguros e até planos funerários. Sem pedir, sem autorizar, sem sequer entender como seus dados pessoais foram parar nas mãos dessas empresas.
Essa é a realidade de milhões de brasileiros. Mal o benefício do INSS é concedido, os aposentados e pensionistas se tornam alvo preferencial do assédio comercial — um mercado voraz que enxerga nesse público uma oportunidade de negócio, muitas vezes, desleal.
O motivo é simples: com a aprovação do benefício, abre-se uma margem consignável que pode comprometer até 45% da renda do aposentado. São 35% disponíveis para empréstimos pessoais, 5% para cartão de crédito consignado e outros 5% para o chamado “cartão benefício”, uma armadilha relativamente nova no mercado. O que parece facilidade, na prática, pode se transformar em sobreendividamento e perda da qualidade de vida.
Há um segundo problema, ainda mais grave: a circulação indiscriminada de dados pessoais. Nome, CPF, telefone, número do benefício e até o valor da aposentadoria passam a circular entre bancos, correspondentes e empresas de crédito, quase sempre sem qualquer consentimento. Uma clara violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que segue sendo ignorada na prática.
Mais do que insistência, há casos de fraude escancarada. Não são poucos os relatos de aposentados que veem dinheiro cair na conta sem qualquer solicitação, seguido de desconto automático no benefício. É um jogo perverso: as empresas se beneficiam do modelo consignado, que reduz inadimplência, enquanto os aposentados ficam presos a contratos cheios de juros, taxas e cláusulas muitas vezes camufladas em letrinhas miúdas.
O Brasil até tenta, no papel, proteger esses cidadãos. A Lei do Superendividamento (nº 14.181/2021) proíbe práticas abusivas e exige transparência nas ofertas de crédito. O Banco Central e a Febraban determinam que, nos primeiros 30 dias após a concessão do benefício, é proibido qualquer contato comercial com aposentados. A LGPD protege o uso dos dados pessoais. Mas tudo isso parece letra morta diante da realidade diária enfrentada por quem se aposenta no país.
O resultado é dramático: muitos aposentados comprometem parte relevante da sua renda sem perceber. Quando percebem, estão reféns de contratos longos, descontos automáticos e juros que tornam a dívida praticamente impagável. E não se trata apenas de má escolha ou falta de atenção — mas de um sistema que opera na fronteira entre a legalidade e o abuso.
Diante disso, a primeira linha de defesa é a informação. É preciso desconfiar de qualquer oferta por telefone, recusar fornecer dados pessoais e monitorar constantemente os extratos pelo portal Meu INSS. Ferramentas como o site www.naomeperturbe.com.br ajudam a reduzir o volume de chamadas indesejadas. Se houver desconto não autorizado, o caminho é procurar Procon, Banco Central, Defensoria Pública, INSS e, se necessário, a Polícia Civil.
Aposentar-se deveria significar segurança, não medo. Transformar o benefício previdenciário — fruto de uma vida inteira de trabalho — em porta de entrada para dívidas e armadilhas financeiras é uma perversão do sistema. É urgente que as autoridades reforcem a fiscalização e que o Congresso avance na regulamentação do crédito consignado, especialmente para proteger quem mais precisa.
Enquanto isso não acontece, vale lembrar: nem todo crédito é oportunidade. Às vezes, é cilada.
*Simone Lopes
Advogada especialista em Direito Previdenciário e sócia do escritório Lopes Maldonado Advogados
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