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Opinião Domingo, 01 de Junho de 2025, 16:24 - A | A

Domingo, 01 de Junho de 2025, 16h:24 - A | A

Opinião

Amantes da Teoria

Por Wanderson R. Monteiro*

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Vivemos imersos em sistemas, sejam eles políticos, filosóficos, religiosos, culturais, educacionais — até mesmo pessoais. E por trás de cada um deles, repousa um corpo teórico, uma teoria que lhes servem como base, uma estrutura de pensamento que busca justificar sua existência e funcionamento. Nenhum sistema, por mais pragmático que se apresente, sobrevive sem uma teoria que o sustente. O mundo como o conhecemos é erguido sobre ideias. A política é movida por ideologias; a filosofia, por escolas e correntes de pensamento; as religiões, por doutrinas sagradas cristalizadas em livros que operam como fundamentos de fé. Há sempre uma teoria anterior à prática, que fundamenta e direciona tais práticas.

A Bíblia, o Alcorão, a Torá — cada um desses textos, venerados por bilhões, constitui o alicerce teórico de vastos sistemas religiosos. Do mesmo modo, cada partido político se ancora em uma ideologia, e cada ideologia nasceu de uma raiz teórica. Dessa forma, podemos entender que a teoria é o pano de fundo onde se desenha a moldura da realidade.

Porém, se a teoria é a raiz, existe, atualmente, algo de doente na árvore. Pois temos hoje uma abundância de teorias e uma escassez alarmante de práticas coerentes com elas. Somos, em grande parte, amantes da teoria — mas não seus praticantes. Admiramos a beleza das ideias, citamos nomes de autores, reverenciamos sistemas de pensamento, e ao mesmo tempo, vivemos como se nenhuma dessas estruturas nos fosse verdadeiramente obrigatória. A teoria se tornou um adorno, não um alicerce que serve de fundamento para nossas vidas e nossas ações diárias.

Essa distância entre o discurso e a ação nos conduz a uma coisa perigosa que tem cada dia ganhado mais força e espaço: o sincretismo filosófico pessoal. Sem conhecimento real e profundo de nenhuma teoria, muitos acabam montando sua própria “cosmovisão” a partir de fragmentos, partes, de diferentes pensamentos. Uma colcha de retalhos feita de crenças distintas, muitas vezes contraditórias entre si, mas acolhidas por conveniência, afinidade emocional ou utilidade momentânea. Uma vida construída não sobre a rocha sólida de uma convicção amadurecida, mas sobre a areia movediça do “eu acho” e do “isso me serve”.

Essa mistura de ideias e pensamentos, sem critério e sem compromisso, gera um tipo de fé particular, uma moral particular, uma verdade particular. E o que parece pluralidade é, na verdade, desintegração. Dizemos crer em algo — num livro sagrado, numa filosofia, num código moral — mas, no fim, o que comanda nossas decisões é o sistema de crença pessoal que construímos, frequentemente em desacordo com aquilo que professamos em público. Desse modo, surgiram novos modos de se viver a vida, onde “podemos ser" teoricamente cristãos, mas pragmaticamente utilitaristas, teoricamente éticos, mas funcionalmente relativistas.

É por isso que, tantas vezes, nos deparamos com pessoas que elogiam uma teoria, que a defendem verbalmente, mas vivem em completa incoerência, ou mesmo discordância, com ela. Elas não creem no que dizem crer — apenas acham bonito o que ouviram ou leram. O que move suas ações não é a teoria declarada, mas a teoria silenciosa que rege seus desejos, medos e vontades. A beleza das ideias é celebrada, mas seus imperativos, seus ensinos ou mandamentos, são rejeitados. A teoria é amada, mas não seguida. Amantes da teoria, mas não discípulos da verdade.

Essa ruptura entre ideia e prática revela uma crise maior: a da autenticidade. E talvez, por trás dessa crise, esteja o medo. O medo de viver com coerência. Pois quem vive conforme uma teoria, submete-se a ela. E submeter-se exige renúncia, disciplina, compromisso — três palavras que o mundo atual, hedonista e relativista, renega e trata com desprezo.

Diante disso, podemos perceber que nossa sociedade atual consome teorias como consome produtos: escolhe, mistura, adapta e, quando não serve mais, descarta. A verdade tornou-se questão de gosto, e a coerência entre o que se diz crer e aquilo que se vive se tornou um fardo desnecessário. Mas o preço disso é alto: uma geração inteira que não sabe mais em que crê, nem por que vive, nem para onde caminha. Uma geração que cita filósofos, mas não filosofa; que empunha bandeiras, mas não compreende os símbolos que carrega; que frequenta templos, mas perdeu o senso do sagrado, transformando a fé em ritual vazio e a espiritualidade em puro espetáculo, em performance estranha, sem apego aos códigos de fé, ou, coerência com a realidade . Precisamos urgentemente recuperar o vínculo entre teoria e prática. Precisamos ser mais que admiradores de ideias bonitas — precisamos ser homens e mulheres de convicção enraizada, de fé consciente, de ação coerente. Não basta amar a teoria, é preciso viver aquilo que ela exige.

A verdadeira mudança só começa quando deixamos de ser amantes da teoria e passamos a ser praticantes da verdade.


*Wanderson R. Monteiro
Autor dos livros “Cosmovisão em Crise: A Importância do Conhecimento Teológico e Filosófico Para o Líder Cristão na Pós-Modernidade”, “Crônicas de Uma Sociedade em Crise”, “Atormentai os Meus Filhos”, e da série “Meditações de Um Lavrador”, composta por 7 livros.
Dr. Honoris Causa em Literatura e Dr. Honoris Causa em Jornalismo.
Bacharel em Teologia, graduando em Pedagogia.
Acadêmico correspondente da FEBACLA. Acadêmico fundador da AHBLA. Acadêmico imortal da AINTE.
Autor de 10 livros.
Vencedor de 4 prêmios literários. Coautor de 15 livros e 4 revistas.
(São Sebastião do Anta – MG)

 

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