No campo da filosofia, muitos pensadores imaginaram aquilo que seria, para eles, o melhor tipo de sociedade ou de governo — uma forma ideal de organização humana. Podemos ver isso em Platão, com A República, em Thomas Morus, com sua Utopia, em Tommaso Campanella, com A Cidade do Sol, e em Francis Bacon, com sua Nova Atlântida. Também podemos citar Maquiavel, com o seu livro "O Príncipe", onde Maquiavel dá conselhos ao príncipe sobre como melhor governar seu povo, entre outros. Todos esses autores pensaram em como seria o melhor modo de viver em sociedade.
Esses são apenas alguns livros e filósofos que, em algum momento, pensaram sobre como deveria ser a sociedade, em como deveria ser seu povo ou governo, para que tal sociedade funcionasse da melhor forma possível. Nietzsche também se encontra entre esse grupo de filósofos, mas com uma diferença: Nietzsche não focava na estruturação de uma sociedade em si, mas em um novo tipo de “homem” para uma nova sociedade.
Nietzsche não apresenta um modelo ideal de sociedade como um projeto político detalhado, mas, ao longo de sua obra, especialmente em “Assim Falou Zaratustra”, ele delineia a figura de um novo tipo de homem, o Übermensch — o super-homem — e, a partir daí, esboça, ainda que indiretamente, as bases para um novo modo de viver em sociedade, fundado não mais na moral tradicional, mas na superação dos valores que nos foram passados de geração em geração.
Nietzsche foi um filósofo alemão do século XIX, conhecido por frases provocativas como a sua mais conhecida frase: "Deus está morto", que aparece em seu livro “A Gaia Ciência”. Essa afirmação se refere ao colapso da autoridade dos valores absolutos do cristianismo e da moral tradicional, que, naquela época, eram os fundamentos da existência no Ocidente.
Por praticamente toda a obra de Nietzsche, podemos ver a presença de três termos importantes que nos ajudam a entender a crítica à sociedade moralmente fundada da época, e também nos ajudam a compreender o ideal de “sociedade” proposto por Nietzsche. Os três termos são: o Übermensch (super-homem), a vontade de poder (Wille zur Macht), e a crítica à moral do rebanho, frequentemente associada à "moralina" — uma forma corrompida de moral, marcada por ressentimento, fraqueza e negação da vida.
O super-homem de Nietzsche é aquele que supera os valores morais passados de geração em geração — especialmente os valores da moral judaico-cristã, que Nietzsche dizia ser uma expressão do ressentimento dos fracos contra os fortes. O super-homem Nietzschiano é aquele que cria seus próprios valores, que vive segundo sua vontade de potência e que, ao invés de se sujeitar à moral do rebanho, se torna autor de si mesmo.
Nesse contexto , a “vontade de potência” não deve ser confundida com a simples ambição por poder político ou econômico. Na obra de Nietzsche, esse termo trata-se de um princípio metafísico mais amplo: um impulso vital criador, o desejo de se superar, de se afirmar. Em vez de buscar paz, estabilidade ou o conforto, o super-homem, como proposto pela filosofia nietzschiana, busca constante superação, pois, segundo Nietzsche, a verdadeira felicidade está em sentir que o poder em si cresce, que uma resistência é vencida, que obstáculos foram superados.
Em seu “O Anticristo”, Nietzsche escreve:
"O que é bom? – Tudo o que eleva o sentimento de poder, a vontade de poder, o próprio poder no homem.
O que é mau? – Tudo o que provém da fraqueza.
O que é felicidade? – A sensação de que o poder cresce, de que uma resistência é superada.
Não o contentamento, mas mais poder; não a paz, mas a guerra; não a virtude, mas a excelência (virtù, virtude sem moralina)." (O Anticristo)
Diante desse pensamento, podemos perceber que a sociedade atual demonstra, mesmo que de uma forma corrompida, algumas das características que Nietzsche considerava necessárias para a superação da moral tradicional, tais como: o abandono e a rejeição da moralidade imposta, a visão do indivíduo como o centro de tudo, e o desprezo pelas convenções. Mas existem diferenças importantes entre a nossa sociedade atual e o tipo de sociedade proposta por Nietzsche.
A sociedade atual, marcada pelo hedonismo vulgar, pelo relativismo moral e pela busca desenfreada por prazer, status e visibilidade, não representa de fato a realização do ideal nietzschiano. O super-homem, para Nietzsche, seria um criador de valores, alguém que vive com profundidade e responsabilidade diante da ausência de valores absolutos. Já a sociedade contemporânea, ao contrário, parece ter abandonado os valores que nos foram legados pelas gerações passadas sem substituí-los por novos, passando a viver uma vida completamente vazia de sentido.
Diante das consequências que o abandono dos princípios morais tem nos trazido, podemos afirmar que a sociedade atual está realmente se superando, estamos criando valores mais elevados, ou apenas abandonamos os valores antigos para viver de forma ainda mais egoísta e desorientada?
Diante disso, o nosso desafio talvez não seja simplesmente recusar a sociedade atual por ser “a sociedade dos sonhos de Nietzsche”, mas reconhecer que não compreendemos plenamente o que Nietzsche sonhou. E que, ao distorcer os seus conceitos, acabamos dando origem a uma sociedade egoísta, fraca e ressentida — exatamente o oposto do que ele desejava.
Precisamos, urgentemente, repensar essa maneira de viver de nossa sociedade atual, pois, uma sociedade em que cada pessoa vive somente para si mesma, visando somente o seu próprio bem estar, fazendo de tudo para passar o outro para trás para ganhar seu espaço, sem se importar com nenhum tipo de princípio moral ou ético, não me parece o tipo de sociedade que chegará muito longe. Se é que ela ainda pode ser chamada de "sociedade".
*Wanderson R. Monteiro,
Autor de São Sebastião do Anta – MG.
Dr. Honoris Causa em Literatura e Dr. Honoris Causa em Jornalismo.
Bacharel em Teologia, graduando em Pedagogia.
Acadêmico correspondente da FEBACLA. Acadêmico fundador da AHBLA. Acadêmico imortal da AINTE.
Autor dos livros “Cosmovisão em Crise: A Importância do Conhecimento Teológico e Filosófico Para o Líder Cristão na Pós-Modernidade”, “Crônicas de Uma Sociedade em Crise”, “Atormentai os Meus Filhos”, e da série “Meditações de Um Lavrador”, composta por 7 livros.
Autor de 10 livros.
Vencedor de 4 prêmios literários. Coautor de 15 livros e 4 revistas.
(São Sebastião do Anta – MG)
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