A Súmula 298 do STJ dispõe que “o alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei," significando que o alongamento ou prorrogação da dívida rural não depende de mera liberalidade do banco, ou seja, trata-se de um direito do produtor rural, desde que observados os requisitos previstos no Manual de Crédito Rural (MCR), especialmente em situações de força maior, caso fortuito ou dificuldades conjunturais que comprometam a atividade agrícola consolidando o entendimento de que a função social prevalece sobre a rigidez contratual. Em outras palavras, a prorrogação não é favor do banco, mas dever jurídico para garantir o equilíbrio social e econômico.
A convergência entre o Manual de Crédito Rural (MCR) e a Súmula 298 do Superior Tribunal de Justiça representa um dos marcos mais significativos da evolução do direito agrário brasileiro. Pela primeira vez na história, temos um sistema onde a norma técnica do Banco Central dialoga harmonicamente com a interpretação jurisprudencial, criando uma blindagem legal robusta para o produtor rural.
Esta sinergia não é coincidência – é resultado de décadas de pressão do setor produtivo e do amadurecimento institucional que finalmente reconheceu as especificidades da agricultura. O MCR, ao prever expressamente os planos de reembolso diferenciados, forneceu o substrato técnico que a Súmula 298 transformou em direito subjetivo do produtor.
Por anos, instituições financeiras lucram bilhões com o crédito rural subsidiado, mas na primeira dificuldade do produtor, aplicam a mesma lógica implacável reservada ao comércio tradicional. A Súmula 298 tem que pôr fim a essa hipocrisia ao estabelecer que "o alongamento de dívida originária de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas direito do devedor, nos termos da lei.
Esta decisão não é apenas juridicamente correta – é economicamente inteligente. Quebrar um produtor rural significa destruir anos de investimento, conhecimento técnico e capacidade produtiva. É jogar fora o ativo mais valioso do país: nossa capacidade de alimentar o mundo.
Ora, caros leitores, a Súmula 298 do STJ não inventou o alongamento de crédito rural – ela apenas reconheceu que este sempre foi um direito do produtor, não uma cortesia bancária. Ao declarar que o alongamento "não constitui faculdade da instituição financeira, mas direito do devedor", o STJ consolidou décadas de evolução doutrinária e jurisprudencial.
O aspecto mais sofisticado desta súmula é sua fundamentação. Diferentemente de outras áreas do direito contratual, que recorrem às teorias da imprevisão ou da onerosidade excessiva para justificar modificações contratuais, a Súmula 298 baseia-se no reconhecimento de que na agricultura, a variabilidade não é exceção – é regra estrutural.
Esta distinção é fundamental. A teoria da imprevisão pressupõe que o contrato foi celebrado sob determinadas premissas que foram quebradas por eventos extraordinários. Na agricultura, "eventos extraordinários" são ordinários, ou seja, seca, praga, oscilação de preços e fatores climáticos não são acidentes – são variáveis conhecidas e previsíveis do negócio agrícola.
Ao classificar o alongamento como norma de ordem pública, a Súmula 298 remove a discussão do campo da discricionariedade bancária e a eleva ao patamar de política agrícola nacional. Não se trata mais de "favor" ou "negociação comercial", mas de direito fundamental do produtor e instrumento de segurança alimentar.
Mas, na prática nem tudo são flores.
Se há algo a lamentar nesta história, é que o MCR existe há décadas, mas sua efetividade depende da boa vontade bancária. Quantos produtores eficientes são “quebrados” ou mesmos levados ao “suicídio” por bancos que se recusam a aplicar corretamente as normas do MCR? Quantos investimentos produtivos foram perdidos por falta de uma interpretação jurisprudencial clara sobre o direito ao alongamento da dívida rural?
O Brasil possui o agronegócio mais competitivo do mundo, mas durante décadas submeteu seus produtores a um sistema jurídico-financeiro inadequado. Não podemos mais tratar crédito rural como produto bancário convencional.
Também é necessário expandir a cultura jurídica sobre estas normas. Muitos advogados ainda recorrem desnecessariamente às teorias civilistas tradicionais quando poderiam simplesmente invocar o direito objetivo ao alongamento previsto no sistema MCR-Súmula 298. A convergência MCR-Súmula 298 precisa corrigir essa distorção, mas, infelizmente chegou tarde demais para muitos produtores rurais.
*Charlene de Ávila
Advogada. Mestre em Direito. Consultora Jurídica em propriedade intelectual na agricultura.
*Néri Perin
Advogado agrarista, especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil pela UFP. Diretor Administrativo do Escritório Néri Perin Advogados Associados.
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