Na direção geral do segundo maior hospital de Mato Grosso do Sul, o Hospital Regional Rosa Pedrossian, o militar da reserva, Coronel Walmir da Silva Santos tem uma história de vida regada à vitórias. Nascido em Amambai, em Mato Grosso do Sul, de família pobre e agricultora, o médico pediatra que tem 34 anos na medicina conseguiu superar as expectativas que ele mesmo tivera de si e conquistou sucesso profissional e pessoal.
Apesar de todas as lutas e dificuldades, o médico afirma que sempre teve muita ajuda, principalmente do Exército, que o manteve em seu quadro mesmo durante os anos em que estudou medicina no Rio de Janeiro. “Eles flexibilizaram meus horários pra eu poder estudar”, conta.
Na gestão do HR desde janeiro de 2007 - quando assumiu o cargo por nomeação do governador recém eleito, André Puccinelli - e comandando a equipe de um hospital que tem 1,5 mil funcionários e realiza mais de 800 atendimentos diários, o Cel. Walmir diz que essa experiência “é um desafio”, porque até então ele havia administrado apenas hospitais militares: um no Rio de Janeiro e o de Campo Grande.
Para os próximos anos, o médico afirma que não sabe o que o espera, mas garante que quer continuar sua trajetória “com competência” e acredita em continuar realizando seu trabalho com honestidade e humanização.
Confira a entrevista:
Capital News: Como teve início sua carreira na Medicina e porquê dessa escolha?
Cel. Walmir: Eu me formei em 1974, há 34 anos, no Rio de Janeiro. Pra chegar lá foi uma trajetória difícil. Eu, sendo filho do interior de Mato Grosso do Sul, Amambai, de família humilde e tendo que trabalhar desde cedo pra ajudar no sustento da família, não foi fácil. Depois eu ingressei no Exército, em Ponta Porã, como soldado, então fui promovido a cabo, dei baixa e retornei pra Amambaí. Concluí o ginásio, trabalhando. Na época em que servia o exército em Ponta Porã, conheci um estudante de Agronomia que estudava na Universidade Rural do Rio de Janeiro e ele percebeu que eu era interessado nos estudos e me mostrou os caminhos de como estudar no Rio. Eu já tinha intenção de fazer Medicina. Então, concluí o ginásio em Amambaí e fui embora para o Rio para terminar o científico (atual Ensino Médio). Chegando lá eu fiz uma prova, um concurso, isso foi no início de 1963 e passei para a escola agrícola. Daí estudei lá o ano de 63 inteiro, mas estava com pouco dinheiro e precisava trabalhar. Nesse período, eu fiz um teste vocacional e saiu que eu poderia fazer Medicina. Daí eu pensei: pra poder estudar Medicina eu tenho que sair daqui e arrumar um emprego. Foi o que eu fiz. Prestei um concurso pra sargento do Exército, da ESA (Escola de Sargentos) e foi também uma coincidência muito grande. Fui pra Minas Gerais em 64, porque então, quando eu saí de férias da Escola Rural em dezembro de 63 eu já não voltei pra escola no ano seguinte. Fui direto pra Escola de Sargentos em Minas. Daí quando saiu a revolução, em 64, eu estava na ESA, em Minas e fiquei sabendo que deu um problema lá na Escola Rural, no Rio e eu já não estava mais lá. É a mão de Deus que protege a gente né? Então, da escola de sargentos, eu fui para o Rio de Janeiro, e segui o meu estudo. Já tinha feito o primeiro ano na Escola Agrícola e então concluí o segundo e terceiro científico no colégio D. Pedro II, no Rio. Logo depois fiz o aperfeiçoamento militar. Então, eu fiz vestibular, mas não passei. No outro ano eu fiz cursinho e então consegui passar. E foi uma festa, uma vitória do esforço. Agradeço a Deus por tudo sabe? Embora nesse momento eu tivesse apresentado a idéia de sair do Exército, porque queria me dedicar exclusivamente à Medicina, lá eles não deixaram, disseram que eu poderia continuar sendo militar e que conforme fosse eles poderiam compatibilizar meus horários e olha, tive muita ajuda, graças a Deus!
Daí então eu concluí o curso e logo em seguida fiz concurso pro Exército como oficial médico, passei e aí vim para Campo Grande de novo. Fiquei um ano e fui transferido para o Amazonas, isso em 75. Daí no final de 75 vim embora do Amazonas e então eu pensei: eu tentei ficar na minha terra, não consegui e me mandaram pra outro lugar [sobre a transferência de Campo Grande para o Amazonas]. Então eu lavo minhas mães e vou-me embora para o Rio de Janeiro. Lá eu fui trabalhar no Colégio Militar e fiz Administração Hospitalar.
Capital News: Nesse período em que o senhor ficou no Amazonas o que o senhor fez?
Cel. Walmir: Lá eu exerci a medicina. Fui médico em Boa Vista, depois fui médico em Bonfim, fui diretor do hospital de lá, do hospital rural e eu era o único médico numa região carente. Hoje Bonfim virou um centro, mas naquela época era um distrito e eu era o único médico lá. Daí eu fundei um hospital lá, que eu mesmo fui diretor e assim foi, uma vitória muito grande.
Capital News: E no rio de Janeiro? Ficou quanto tempo lá?
Cel. Walmir: de 1978 a 1994. Fiz administração hospitalar, fui promovido, tinha também um consultório de pediatria, uma atividade de médico normal. Aí, em 89 eu fui convidado por um general pra ser assistente-secretário dele, que era diretor do HCE (Hospital Central do Exército). Muito bem. Aí fiquei com ele 89, 90... Mas antes disso, entre 78 e 89 eu passei pelo colégio militar, fui chefe da enfermaria. Fui chefe da pediatria, da policlínica militar do Rio de Janeiro. Aí então fui convidado pra ser assistente-secretário do General, no HCE, onde eu fiquei cinco anos. Então, em 94 eu fui nomeado diretor do hospital militar de Campo Grande e vim embora pra cá. Fiquei de 94 a 98 como diretor. Então em 98 eu fui para um curso no Rio chamado curso de Política e Estratégia da Alta Administração do Exército. Esse curso foi um presente pra família. Ficamos lá um ano. De lá eu fui pra Brasília, onde fiquei de 99 a 2001, quando pedi transferência pra reserva e aí vim embora pra cá de novo. Já não mais como diretor do hospital militar, porque já estava na reserva. Entrei no meio político, eu queria contribuir, trabalhar pela saúde do meu estado né? Eu sempre tive na minha consciência a vontade de prestar um serviço médico, devolver tudo aquilo que eu ganhei, porque eu acho que eu fui muito privilegiado; eu sendo uma pessoa pobre que saiu lá do interior, fui pro Rio de Janeiro, me formar e fiz isso aí com certa tranqüilidade. E graças a Deus, por onde eu passei, eu tive sucesso. Só não saí general porque acho que me afobei um pouquinho pra sair, apressei o processo.
Capital News: Esse período que o senhor se engajou na política, como foi?
Cel Walmir: fui candidato aqui a deputado federal em 2002 e tive 17 mil e tantos votos. Foi a primeira vez que me interessei pela política. Daí depois em 2004 eu fui candidato a vereador por Campo Grande e tive 2.880 votos. Mas eu estava num partido pesado (PMDB), mas tentei contribuir, ajudar né? Daí em 2006 eu fui candidato a deputado federal pelo PMN, que era um partido aliado do André (Puccinelli) e tive 15 mil votos. Daí em janeiro, quando ele tomou posse, ele me chamou pra assumir a direção do Hospital Regional, me deu esse desafio maior do que tudo que eu imaginava. É um hospital pesado, um hospital público. Mas tem sido assim, uma paixão. Porque eu vejo e entendo bem o lado psicológico das pessoas, o lado cultural. Eu conheço principalmente o pessoal mais humilde, o que ele quer, precisa.
Capital News: O senhor atuou muito tempo na administração de hospitais militares e hoje tem a tarefa de gerir um hospital público. Quais são as principais diferenças e desafios que o senhor enfrenta?
Cel Walmir: eu diria é que tem coisas muito em comum. Ao invés de citar as diferenças eu citaria os pontos comuns. Primeiro, na parte profissional, o compromisso. O compromisso do militar com o público, seja ele na instituição, independente desta ser militar, mas o compromisso com o Brasil é muito grande. Então assim: aqui é SUS, mas o meu compromisso não mudou em nada. Meu compromisso de médico, de profissional da saúde continua o mesmo. Então eu vejo semelhança. Outra: a característica do doente é praticamente a mesma. Porque o doente quando procura um serviço de saúde ele não vem procurar grandes coisas não, ele vem procurar um atendimento, ele quer carinho, ele quer ser ouvido, ele quer apoio. A pessoa muitas vezes pode nem estar doente, mas ela pensa que está doente e vem buscar apoio.
Agora, se é pra citar algo diferente tem a estrutura, já que aqui não tem a disciplina que há no meio militar. E por ser muito grande, é uma casa que todo mundo manda. Tudo que se fala aqui todo mundo sabe. Mas eu me prendo aqui, eu me realizo aqui pela paixão pelo serviço de saúde, por atender, por sentir no sorriso, na gratidão, na grandeza de servir. E ter logicamente, muitas vezes, o reconhecimento. E esse reconhecimento vem de uma forma muito simples e humilde. Porque às vezes, quando você faz as coisas, você vai fazendo, vai fazendo... e eu me coloco sempre na posição de que, se eu não vou ajudar também não vou atrapalhar e isso me dá uma paz muito grande, porque a gente vai ajudando as pessoas, trabalhando, cumprimentando. Eu tenho prazer de chegar lá fora e cumprimentar as pessoas, pegar na mão, porque quando você pega na mão você já sente a temperatura, já olha nos olhos, vê como essa pessoa está. É uma consulta na verdade que você faz só no cumprimento. E isso pra gente é tão simples, mas pra quem está do outro lado representa muito às vezes. Então essa coisa toda me dá muita paz.
Capital News: Essa falta de hierarquia, como o senhor mesmo falou, entre um hospital militar e um público, dificulta de algum modo o trabalho?
Cel Walmir: Bem, isso exige uma postura diferente. E graças a Deus a gente procura ser mais aberto. Você tem que ter mais flexibilidade, porque você não pode ser rígido, sob pena de você sucumbir no processo. Então eu acho que o relacionamento entre as pessoas, entre as equipes, é a chave do processo. E isso exige - daí falta modéstia - muita competência. Competência no lidar com as pessoas.
Capital News: É a primeira vez que o senhor atua num hospital público?
Cel Walmir: eu trabalhei num hospital público lá em Bonfim, em 76. Lá eu trabalhei num hospitalzinho público que era fronteira com a Guiana, onde os brasileiros atravessavam o rio e eram atendidos na Guiana porque a saúde de lá era bem melhor que a daqui. Lá tinha hospital e do lado de cá não tinha nada. E eu consegui inverter o fluxo. Consegui que os guianenses viessem ser atendidos no Brasil. Construí um hospital de 20 leitos e até hoje tenho minha dívida com as reminiscências de lá: tinha uma casinha lá, plantei árvore, fizemos um mutirão, mobilizamos a escola, o quartel. E me lembro de uma vez que lá na Vila de Bonfim tinha uma caixa d’água um pouco distante da caixa d’água do quartel. Entre esse espaço tinha uma vila que não tinha água. Na verdade às vezes tinha, às vezes não tinha. E eu consegui interligar as duas caixas com ligações. E eu me lembro que eu usei como argumento do chefe da empresa de tratamento de água de lá que isso era muito importante por causa da diarréia, que tinha muitas crianças que tomavam água de poço. Daí argumentei que: de que adiantava, a gente como pediatra tratar da diarréia se por causa da água suja as crianças iam ter diarréia de novo? Daí eu tive a permissão pra eles fazerem a ligação da água do quartel com a água pública, então seria gratuito.
Capital News: Como o senhor escolheu ser pediatra?
Cel Walmir: eu sempre gostei de crianças, por algumas características. Eu me identifico com a criança e também me identifico com a pessoa de mais idade. Mas o que me anima na criança é a dinâmica. Ela melhora rapidamente e a evolução do tratamento é muito rápida.
Capital News: e tem algum caso especial de que o senhor se recorda, que ficou marcado?
Cel Walmir: Bom, teve um caso. Quando eu trabalhei em Campo Grande a primeira vez eu fui médico do hospital São Lucas. E tive o caso de uma criança que eu estava tratando no hospital militar, só que a criança estava muito mal, muito mal. Então eu chamei o pai da criança e disse o seguinte: você tira essa criança daqui senão ela vai morrer. Daí levamos pro hospital São Lucas, que lá, com a equipe, nós trabalhamos 30 dias mais ou menos com a criança internada no soro. E conseguimos, no meio daquele sofrimento, que eu acho que quase morri junto com a aquela criança. Ela tinha uma diarréia crônica, uma diarréia terrível. E sei que ela ia desidratando, desidratando. E sei que mobilizei o São Lucas e junto com os outros médicos do hospital nós salvamos a menina. Ela tinha, acho que seis meses. Isso foi em 75. Então, anos depois, quando eu fui nomeado diretor do hospital militar, em 94, eu recebo a visita de um pai com uma moça muito bonita. Quem era? Era a própria menina que eu tinha tratado de diarréia. Andréia o nome dela. Foi uma coisa assim que me marcou muito, porque a gente sofreu.
Capital News: agora eu gostaria de saber um pouquinho sobre a questão da superlotação nos hospitais públicos. Como é que se lida com isso e o que o hospital tem feito para garantir o atendimento apesar dos problemas?
Cel Walmir: aqui nós temos alguns problemas, entre eles é a falta de resolutividade, ou seja, poder resolver rapidamente o problema do paciente, por exemplo, o diagnóstico. Então o que acontece é que você retarda um diagnóstico, porque isso depende de um exame e esse exame depende de um profissional e aí, se retarda um exame, retarda também o diagnóstico. Retardando o diagnóstico, você tem baixa resolutividade e o paciente acaba ficando mais tempo internado. Então nós temos no momento uma baixa resolutividade, tendo em vista a falta de alguns equipamentos, mas principalmente devido a pessoal, a falta de técnicos e especialistas. Quanto aos equipamentos, o hospital tem muita coisa, mas a maioria está quebrada. Foi feita uma manutenção muito grande em 2007, só que na parte de pessoal não foi ainda autorizado pelo governo a contratação de mais gente, pra repor aqueles que saíram. E saiu muita gente por causa de incompatibilidade de horários, troca de serviço, defasem salarial daqui, então, numa disputa de mercado de trabalho, a gente sai perdendo. Nós aqui estamos tentado aumentar o número de leitos da UTI. No CTI, por exemplo, nós temos 11 vagas, que permanecem lotadas, mas precisamos de pelo menos mais 15. Na UTI acho que nós precisaríamos de 25 vagas para adultos, porque fora disso, nós temos a ala coronária com oito leitos, a UTI pediátrica tem mais oito, a neo-natal com oito também, e a intermediária neo-natal com quatro. Aí vamos ver se aumentamos a intermediária para uns dez mais ou menos, aí vamos chegar com a UTI neo-natal com uns dez também. Isso tudo já está autorizado pelo governo do Estado e pretendemos abrir para a UTI adulto pelo menos mais 15 vagas. E a gente espera que até o final deste ano tudo esteja resolvido.
Capital News: Como está a expectativa com a consultoria que a Unifesp vai prestar ao HR?
Cel Walmir: a expectativa é sempre positiva, grande porque são várias áreas, várias especialidades que serão atendidas. E a gente espera que o hospital, com a vinda de recursos e a lotação melhor de pessoal seja ainda mais importante para a saúde do Estado.
Capital News: Qual seria hoje o maior problema que o hospital enfrenta?
Cel Walmir: alguns: de roupas, de lavanderia, de manutenção, de hidráulica, de elevador, que estão todos saturados, roupa de cama também faltam e outros de pessoal.
Capital News: até quando vai a sua gestão no HR?
Cel Walmir: eu sou da seguinte opinião: ser enquanto está. Enquanto eu merecer a confiança do governador eu estou aqui, mas logicamente que isso aqui é temporário.