Decisão do STF garante afastamento remunerado para vítimas, mas ainda há quem interprete isso como um problema para o mercado de trabalho.
Em agosto de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Tema 1370, reconhecendo o direito de afastamento remunerado para empregadas vítimas de violência doméstica. A decisão estabeleceu que os primeiros 15 dias de afastamento são custeados pelo empregador, e o restante pelo INSS, garantindo proteção à vítima sem impor ônus definitivo às empresas.
Apesar de justa, considerando que isso já previsto que uma pessoa em tratamento pós-trauma muitas vezes recebe atestado médico psiquiátrico, porém a repercussão em alguns setores do mercado de trabalho reforça uma interpretação problemática: tratar a violência como “risco de contratação”. Alguns artigos de opinião, como os de Marcelo Tavares (Migalhas, 22/08/2025) e SIPCES (20/08/2025), questionam se micro e pequenas empresas poderão sofrer impactos financeiros e sugerem cautela na contratação de mulheres. Essa visão é socialmente injusta e eticamente problemática.
Supor que toda mulher possa sofrer violência e que todo homem possa praticá-la reproduz estereótipos de gênero, e ainda transfere para o mercado de trabalho a responsabilidade pela violência, o que é inadequado e perigoso. Quando o empregador passa a ser visto como responsável pelo “risco” de afastamento da funcionária, a lógica de proteção social se transforma em cálculo financeiro: empresas podem evitar contratar mulheres ou criar barreiras, tentando minimizar perdas. Ou seja, o problema social — a violência doméstica — é transferido para o setor privado, quando, na realidade, a proteção e prevenção devem ser garantidas pelo Estado e pela sociedade.
Além disso, qualquer pessoa — homem ou mulher, solteira ou casada — pode necessitar de afastamento médico ou psicológico em função de trauma ou sofrimento psíquico. Reduzir a proteção a um grupo específico ou tratá-la como “risco” contribui para exclusão do mercado de trabalho e perpetua desigualdades históricas. A psicanálise ajuda a compreender a profundidade do sofrimento: como apontou Sigmund Freud, “O trauma não é um fato do passado, mas uma experiência que repercute na vida presente e futura do indivíduo”. Ou seja, o afastamento remunerado não é privilégio, mas uma necessidade real para que a vítima possa se recuperar e reintegrar-se social e profissionalmente.
Como destacam João Badari (Capital News, 30/08/2025) e Clara Mendonça (Poder360, 18/08/2025), o equilíbrio entre proteção social e sustentabilidade empresarial é possível, desde que se combata a ideia de que vítimas são um “risco” e se priorize o acolhimento. Políticas de proteção são uma questão de direito humano, saúde mental e justiça social, e a violência doméstica não pode ser prevista nem tratada como fator de mercado.
Conselho aos empresários:
Empresários e empregadores devem compreender que a proteção às vítimas de violência doméstica não é um custo a evitar, mas uma responsabilidade social a assumir. Investir em políticas internas de acolhimento, orientação e flexibilidade além do custo ser baixo, cumpre a lei e fortalece a confiança, a lealdade e o bem-estar de toda a equipe. Garantir que suas funcionárias — e todos os trabalhadores — tenham espaço seguro para se recuperar de traumas é, acima de tudo, uma postura ética e estratégica que beneficia a sociedade e a própria empresa.
*Viviane Vaz
Psicanalista, Escritora e
Coordenadora do Projeto Nova Transforma
[email protected]
@vivismvaz
https://vivisvaz.blogspot.com/
Fontes das reportagens:
João Badari, Mulheres vítimas de violência doméstica têm vitória histórica no STF, Capital News, 30/08/2025. Link
Marcelo Tavares, Empregador e Estado: quem paga o preço da proteção às vítimas?, Migalhas, 22/08/2025. Link
Clara Mendonça, STF equilibra proteção social e sustentabilidade empresarial, Poder360, 18/08/2025. Link
Eduardo Zarate, Medida protetiva sem custo proibitivo, Estadão, 20/08/2025.
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