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Opinião Sexta-feira, 27 de Março de 2020, 19:15 - A | A

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Opinião

Um exemplo de projeto

Por Oscar D’Ambrosio*

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Muitos perguntam o que vem a ser uma poética visual. Grosso modo, é uma maneira de pensar o próprio trabalho, oferecendo uma resposta plástica a um questionamento. Um bom exemplo é a série “Polvo”, de Adriana Varejão, caracterizada por um sofisticado pensar sobre um maravilhoso ato de fazer.

Unesp

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Oscar D'Ambrosio


Tudo começa com a reflexão sobre a pesquisa do Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 1976 que, pela primeira vez, deixou de utilizar a classificação de cinco cores de pele (branco, preto, amarelo, vermelho e pardo) para introduzir o conceito pelo qual cada pessoa autodeclarava a tonalidade com a qual se identificava.

Isso permitiu colher 136 atribuições distintas de maneiras como cada pessoa se via, o que inclui denominações como “Queimada de Sol” e “Burro quando foge”. Desse grupo, a artista plástica Adriana Varejão, em 2014, escolheu 33 para criar a série “Polvo”, exibida em vários locais, sendo a mais recente no Museo Tamayo, na Cidade do México.

O conjunto de autorretratos, que integrou a exposição “Otros cuerpos detrás”, entre agosto de 2019 e janeiro de 2020, é, portanto, o resultado de uma pesquisa sobre os pigmentos utilizados na pintura para representar a pele humana. Em sua poética criativa, a artista se vale de diversas fontes para explicar o título de seu conjunto de trabalhos.

O nome escolhido, tanto para os quadros como para a marca de tintas que criou especificamente para realizar essas pinturas, problematiza a questão racial com muita sensibilidade. Em suas pesquisas, ela observou, por exemplo, que os fabricantes apenas produziam tons claros quando pensavam em reproduzir a pele humana.

Além disso, o polvo, quando acuado, libera, como defesa, uma tinta que tem melanina, a substância que dá cor à pele humana. Para completar, o nome do molusco se aproxima da palavra “povo”, que é afinal, do que a artista está falando. Ela discute, assim, o que somos e como nos vemos. Para isso, apresentou na exposição, além das pinturas, uma caixa com bisnagas de tinta a óleo dos tons que desenvolveu a partir das definições da pesquisa de 1976.

Dessa maneira, ao se retratar nos quadros com diversas tonalidades, retiradas das maneiras como o povo se vê a si mesmo, Adriana Varejão ilustra como pensar uma série plástica é um autêntico projeto, que tem um começo, em uma questão instigante; um pensar, no ato de fazer, e uma consecução final, que quanto mais instigante for, mais fascina quem a vê e a pensa.

 

 

*Oscar D’Ambrosio

Jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

 

 



 


 

 

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