Um dos destaques da psiquiatria brasileira é Nise da Silveira (1905 -1999). Foi uma das primeiras mulheres a se graduar em Medicina no Brasil e manteve correspondência com o psicanalista Gustav Jung devido ao trabalho que realizou no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro.
Unesp

Oscar D'Ambrosio
Contrária aos tratamentos comuns na época, como a lobotomia e os eletrochoques, realizou um trabalho baseado na terapia ocupacional por meio da arte. Nesse sentido, contou com a parceria do artista plástico Almir Mavignier e, com o apoio para a divulgação dos resultados obtidos, de um dos maiores críticos de arte do país, Mario Pedrosa.
Essas são algumas das questões que surgem com vigor no filme “Nise: O coração da loucura”. Dirigido por Roberto Berliner e com atuação soberba de Glória Pires no papel título, a obra mostra como, em 1946, por ser contrária aos métodos tradicionais da época, a médica foi literalmente “encostada” para atuar na terapia ocupacional, atividade então menosprezada nos hospitais e clínicas.
A Seção de Terapêutica Ocupacional de Nise, porém, revolucionou a psiquiatria nacional. Como mostra o filme, ela auxiliou internos como Adelina Gomes, Carlos Pertuis, Emygdio de Barros e Octávio Inácio a encontrarem ou reencontrarem a sua voz visual.
O trabalho da psiquiatra resultou, em 1952, na fundação do Museu de Imagens do Inconsciente, no RJ. A instituição é um centro de estudo e pesquisa destinado à preservação dos trabalhos produzidos nos ateliês de modelagem e pintura que Nise criou na instituição. A reunião e estudo desse material constitui uma documentação que abriu novas possibilidades para uma compreensão mais profunda do universo interior do esquizofrênico.
Presa pelos seus ideais comunistas junto com outros militantes, como o escritor Graciliano Ramos, Nise também foi pioneira em enxergar o valor terapêutico da interação de pacientes com animais. Desse modo, com o entendimento de que os internos de Engenho de Dentro deveriam ser tratados como pessoas e não como pacientes sem esperança, como traz à tona o filme, ela garantiu seu lugar na medicina nacional.
O maior mérito da médica está em mostrar como a atividade artística pode colaborar para reatar os vínculos dos esquizofrênicos com aquilo que costumamos chamar de realidade. Expressões simbólicas e criatividade são duas das palavras-chave nesse processo, que precisa ser a toda hora revalorizado.
*Oscar D’Ambrosio
Jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
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