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Cultura Domingo, 31 de Março de 2019, 12:48 - A | A

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“Poderoso Chefão”, clássico de Mario Puzo, completa 50 anos na sombra do filme de Coppola

Por Vinícius Mendes

Da coluna Cultura
Artigo de responsabilidade do autor

Obra do escritor italiano iniciou série de convenções sobre o crime organizado nos Estados Unidos, mas sua origem estava dentro de casa: Don Corleone era, na verdade, sua própria mãe

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Empregado de uma repartição pública em tempo integral e jornalista de revistas sensacionalistas após o expediente, Mario Puzo chegou aos 45 anos incomodado com sua carreira e quebrado economicamente: além de estar devendo cerca de US$ 20 mil para amigos, agiotas e bancos, tinha que alimentar a esposa e cinco filhos.

Foi quando seu editor lhe sugeriu uma possibilidade de fazer dinheiro: escrever uma ficção sobre o submundo do crime organizado, um universo que já fora explorado por ele em The Fortunate Pilgrim, de 1965 (O imigrante feliz, Record, 1966). Puzo teve a ideia recusada por quatro editoras, mas seguiu com o plano por causa do dinheiro que poderia ganhar. Finalmente, conseguiu vender o livro para a Putnam's Sons (hoje Penguin), que deu um adiantamento de US$ 5 mil (cerca de US$ 35 mil atualmente) para uma obra sobre gângsteres de Nova York.

Quando já tinha 30 páginas escritas, Puzo viu na obra uma possibilidade de extensão ao cinema. Com o título original, Mafia, ele entregou as páginas ao produtor Robert Evans, de Hollywood que, quando as leu, percebeu que, usando atores e diretores consagrados, podia fazer fortuna com a adaptação.

Assim, quando Francis Ford Coppola começou a rodar The Godfather (O poderoso chefão) em 1971, Mario Puzo já era um milionário escritor que, por outro lado, tinha decidido abandonar o projeto de ganhar um Nobel com uma grande obra literária. No entanto, nunca negou que, se soubesse do sucesso do seu livro, o teria "escrito melhor".

Apesar da autocrítica do autor, o romance alçou vôos inimagináveis para quem só queria pagar as dívidas: palavras como consiglieri se tornaram comuns no vocabulário de muitos idiomas, a famosa frase de Vito Corleone -- "Lhe farei uma oferta que será impossível recusar" -- se transformou de estampa de camiseta a slogan de propaganda comercial e toda a cena em que Connie Corleone, filha do Don, troca o anel de noivado e se casa com Carlo Rizzi no quintal da mansão da família se tornou um marco da história da ficção.

Mario Puzo, que cresceu com a sua mãe depois que seu pai foi enviado a um manicômio, sempre considerou que sua grande obra literária tinha sido O Imigrante feliz, escrita logo antes do best-seller de 1969 -- ele já havia escrito The dark arena, em 1955. Ali já estavam alguns dos personagens da trama ítalo-americana desenvolvida em Poderoso Chefão, mas antes de tudo se tratava da história de Lucia Santa, uma mulher que tinha migrado da Itália para ter uma vida melhor em Nova York -- em realidade, uma representação da sua mãe.

Vivendo no bairro de Hell's Kitchen, em Manhattan, casa de gângsteres irlandeses e italianos nas décadas de 1920 e 1930, a mãe de Puzo levou consigo os 12 filhos (de dois casamentos) e se negou a receber o segundo marido quando ele deixou o asilo: era uma carga econômica para ela, e as crianças eram prioridade. Segundo o próprio escritor, foi Lucia, sua mãe, a grande inspiração para o caráter de Vito Corleone.

No entanto, se o Don é Lucia, as ruas de Hell's Kitchen foram fundamentais para ele entrar em contato com os códigos morais lidos no livro: ainda que fosse napolitano (a família Corleone era siciliana), ele aprendeu logo que os favores, as lealdades e as traições que se viam todos os dias no bairro eram as leis reais dos mafiosos.

O escritor nunca conheceu Carlo Gambino e Frank Costello, os dois capos mais famosos de Nova York na época e que se assemelham a Vito Corleone. Apesar da experiência juvenil em Hell's Kitchen, Puzo nunca participou diretamente do crime organizado da cidade -- e aí está sua genialidade: a criação da famiglia em sua obra, com toda a linguagem, as maneiras, as leis tácitas que movem os Corleone, suas relações com os capangas Clemenza e Tessio ou com os inimigos, das famiglias Barzini, Sollozzo e Tattaglia, foi fruto de sua observação.

Em The Godfather papers, livro que ele publicou em 1972, Puzo conta como construiu todos os detalhes do livro olhando para o cotidiano das ruas de Nova York e com a ajuda de alguns amigos que frequentavam o submundo do jogo ilegal.

Gay Talese, o grande escritor e jornalista estadunidense que foi um dos seus melhores amigos, dizia que The Godfather também é uma obra sociológica. "Se tiramos o jogo e os assassinatos, o que sobra é uma história muito concreta de como as famílias ítalo-americanas assimilaram a cultura dos Estados Unidos".

Ele ainda valorizava a forma como Puzo contou a história dos gângsteres de Nova York em suas relações familiares, ao contrário do imenso catálogo de livros de ficção sobre mafiosos e suas ações nas ruas da cidade.

A trama de Poderoso Chefão transcorre entre 1945 e 1955, desde a chegada de Michael Corleone (Al Pacino) da Segunda Guerra Mundial até a morte do patriarca da família, Don Vito Corleone (Marlon Brando). Em meio a uma guerra e uma crise econômica das famiglias, que se vem inclinadas a aceitar o mercado de drogas, Michael toma o poder em casa e declara guerras às outras famílias mafiosas nova-yorkinas.

O romance de Puzo inclui várias memórias da infância de Vito Corleone que, de fora do primeiro filme, foram colocados no segundo, Poderoso Chefão Parte II, de 1974. Naquele ano, a primeira película já era um clássico que, para além dos três Oscars (incluindo Melhor Filme), era aclamado no mundo inteiro. No entanto, muito antes dos US$ 286 milhões que o filme gerou aos seus produtores e as 30 milhões de cópias da livro vendidas pelo mundo, houve algo mais: Puzo morreu, em 1999, dizendo que toda vez que escutava a voz de Don Corleone, lembrava do "carinho e da autoridade de Lucia", sua mãe.

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