Segunda-feira, 29 de Abril de 2024


Opinião Sábado, 13 de Abril de 2024, 18:15 - A | A

Sábado, 13 de Abril de 2024, 18h:15 - A | A

Opinião

Como a Anvisa pode virar o jogo da cananbis no Brasil?

Por Claudia de Lucca Mano*

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A descriminalização de drogas voltou aos holofotes no Brasil desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento do tema de repercussão geral, que pode definir quantidades “autorizadas” para porte e posse de maconha, sem o risco de a pessoa ser considerada traficante. Por outro lado, o Senado pretende alterar a Constituição Federal, através da PEC 45, para fazer constar como clausula pétrea (imutável) a criminalização de qualquer quantidade de droga. O Projeto de Lei 399/15 que poderia nortear o debate, colocando fim às inseguranças jurídicas do tema, está no limbo. O projeto foi aprovado na Câmara, mas não seguiu para o Senado devido a um recurso obstrutor.

Em paralelo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também foi provocado a julgar a questão do cânhamo, em ação de empresa de biotecnologia, que terá audiência pública no próximo dia 26 de abril. No processo judicial contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a empresa DNA defende que o cânhamo e suas sementes não deveriam sequer ser considerados como drogas ilícitas, dada a possibilidade de manter os níveis de THC em patamares inferiores a 0,3%.

O problema, que coloca Executivo, Legislativo e Judiciário em rota de colisão, poderia muito bem ser resolvido pela Anvisa.

À primeira vista, o papel da Agência fica restrito à saúde pública. Ou seja, aprovar e regulamentar empresas e produtos que possam afetar a saúde dos brasileiros. Com isso, tem a responsabilidade de fiscalizar equipamentos médico-hospitalares, cosméticos, produtos de limpeza, medicamentos, suplementos nutricionais e alimentos, além dos derivados de tabaco. A Agência, uma das maiores do mundo, também exerce fiscalização de fronteiras, controlando a entrada de produtos regulados no país e coordena o sistema, orientando os demais entes estaduais e municipais responsáveis diretos pela fiscalização.

As discussões sobre “legalização” da cannabis sativa para uso adulto ou recreativo, portanto, não seriam de competência da Agência, visto que sua atribuição se limita ao uso em saúde.

Ocorre, entretanto, que a lista do que é droga lícita ou ilícita é feita pela Anvisa, através da Portaria 344/98. Isso permite definir quais substâncias são medicinais e em quais dosagens, identificar que plantas ou substâncias são drogas proibidas, proscritas, ou lícitas e controladas.

A lista é grande, organizada em sub listas com regimes de controle próprios e costuma ser atualizada 3 ou 4 vezes por ano. Se a Anvisa readequar a lista, o cenário muda completamente.

A Anvisa alega que não pode tirar a cannabis sativa da lista de drogas proibidas (Lista e Port. 344/98), devido as convenções internacionais de drogas. Mas incluiu - é bem verdade que por ordem judicial - o THC e o CBD nas listas de drogas lícitas. Ademais, o Brasil pode exercer sua soberania para definir a legalidade de substâncias presentes em convenções internacionais.

Acredito que a Anvisa poderia, por exemplo, definir porcentagens máximas de THC em cânhamo industrial (que tende a girar em torno dos 0,2 ou 0,3%) como pede a autora empresa de biotecnologia, na ação que tramita no STJ, retirando de determinadas espécies a definição de droga ilícita. O Embrapa também vem pleiteando, até o momento sem sucesso, autorização para cultivo e pesquisa do cânhamo e suas diversas aplicações industriais. A indústria têxtil, por exemplo, é grande interessada na planta.

A Agência poderia autorizar o cultivo e a extração para fins medicinais e científicos. Nada impede, por exemplo, que a Anvisa mantenha um cadastro simples para auto cultivadores, pessoas físicas, neutralizando a aparente ilegalidade dos pacientes medicinais, hoje sujeitos a prisão por plantarem cannabis em casa para extração de óleo, ou mesmo para uso vaporizado com intuito médico. A Agência pode também autorizar o plantio industrial conforme Lei 11343/06.

Poderia também definir qual substância é droga, em qual quantidade e qualidade, estipulando dosagens, concentrações e mecanismos de controle especifico, além dos que já existem pela Portaria 344/98 (desde a importação e fabricação até o paciente final, todo controlado é escriturado e fiscalizado).

A Agência deveria separar joio de trigo, caracterizar o que é cânhamo industrial, diferenciando as plantas e suas espécies, determinando parâmetros para extratos secos, flores, óleos e demais derivados. É necessário também considerar os demais insumos da planta, como o CBA, Cannabinoid Active System, ou CBG, canabigerol, e ponderar inclusive coloca-los sob regime de suplementos nutricionais, como o próprio CDB canabidiol é tratado nos Estados Unidos.

Portanto, em um cenário em que os Poderes estão em queda de braço em relação ao tema, em que se aprofundam as desigualdades sociais e onde vigora a insegurança jurídica, a Anvisa deveria ser capaz de abrir os caminhos e as mentes políticas. A agencia pode dar pareceres técnicos, desde que isentos, para subsidiar decisões do Congresso e do Supremo.


*Claudia de Lucca Mano
Advogada e consultora empresarial atuando desde 1999 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios, fundadora da banca DLM e responsável pelo jurídico da associação Farmacann

 

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