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Cotidiano Quinta-feira, 15 de Janeiro de 2015, 15:39 - A | A

Quinta-feira, 15 de Janeiro de 2015, 15h:39 - A | A

Crise leva 10 mil demissões na Petrobras

Taciane Peres - Capital News (www.capitalnews.com.br)

Demissões, demissões e demissões. Para onde se olhe, a palavra de ordem parece ser esta nos grandes projetos da Petrobrás. De Pernambuco ao Rio Grande do Sul, passando por Bahia, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, essa tem sido a realidade para muitos trabalhadores nos últimos meses. O número completo oscila, já que os sindicatos não têm um balanço exato do total de dispensas, mas foram facilmente mais de 10 mil pessoas que perderam seus empregos recentemente nas obras a serviço da indústria de óleo e gás brasileira, voltadas aos projetos da estatal. A situação é o resultado de muitas discussões entre a Petrobrás e as empreiteiras contratadas para suas obras pelo País, em decorrência da postura adotada após 2012, quando a política de aprovação de aditivos mudou e foi iniciada uma espécie de cabo de guerra entre as empresas e a estatal. No meio de tudo isso, dois fatores agravaram a situação. Um referente às críticas constantes dos engenheiros em relação aos projetos básicos falhos que eram entregues às contratadas, o que gerava aditivos subsequentes, e outro relativo à corrupção sem limites que vem sendo descoberta desde o início da Operação Lava Jato. A consequência de tantos erros afeta, mais do que qualquer coisa, os trabalhadores.

E, nessa conjuntura, enfrentando processos na Justiça em diversas partes do Brasil, a Petrobrás decide levar um dos poucos grandes contratos a serem feitos atualmente – o de 24 módulos para os FPSOs replicantes – para o exterior. Como se não bastasse a demissão dos mais de 1.000 trabalhadores que atuavam em Charqueadas, no Rio Grande do Sul, nas obras dos módulos, sob comando da IESA à época, agora as poucas perspectivas de novas oportunidades ficaram menores ainda. Para empresas e trabalhadores.

De todos os projetos passando por situações difíceis, a Refinaria Abreu e Lima – que deu a partida na operação em algumas de suas unidades do primeiro trem de processamento, mas ainda não teve suas obras concluídas – é a que passa por um dos momentos mais complicados. Nas contas do diretor de fiscalização do Sindicato de Trabalhadores de Construção de Pernambuco (Sintepav-PE), Leodelson Bastos, foram mais de 7 mil demissões nos últimos meses.

Somente da Alumini (ex-Alusa), que vem cobrando R$ 1,2 bilhão da Petrobrás numa batalha judicial longe de terminar, mais de 5 mil trabalhadores deixaram a obra, segundo Bastos. A questão começou quando a empresa deixou de pagar os salários e de depositar o Fundo de Garantia dos funcionários, que buscaram a ajuda do sindicato.

“Eles foram falar com o gerente da obra e ele disse que não tinha como honrar os compromissos, porque não estava recebendo os repasses da Petrobrás. Foi então que entramos com o processo de rescisão indireta. Mesmo assim, até agora, os trabalhadores só receberam 57,9% da rescisão do contrato. O resto ficou para resolver agora com o retorno do recesso da justiça, após o dia 19”, contou.

De acordo com o diretor do Sintepav-PE, além da situação gerada nas obras da Alumini, houve 1.000 demissões da Galvão, 800 da Engevix e 500 do consórcio Coeg – formado por Conduto e Egesa. Por conta deste último, que deixou 337 sem receberem as rescisões, o sindicato fez uma série de manifestações nos últimos dias. Bastos não soube precisar quanto dessas demissões ocorreram em função do avanço das obras, o que gera dispensas naturais, mas reafirmou que a situação está muito complicada para muitas pessoas por lá, criticando a postura da Petrobrás nas questões.

“A Petrobrás nunca sabe de nada, sempre afirma que não deve nada, que já repassou o dinheiro, mas a gente sabe, e já foi comprovado por algumas empresas, que realmente existem algumas medições a serem pagas e ela está travando. A Petrobrás estica a corda, estica, mas, para não ser condenada, acaba pagando. Até lá, vai até onde der. E quem é prejudicado é o trabalhador”, disse.

Bahia

A quase 800 quilômetros de Ipojuca, em Maragogipe, na Bahia, outro grande empreendimento vem passando por problemas similares. O Estaleiro Enseada do Paraguaçu, controlado pela Odebrecht (35%) em parceria com OAS (17,5%), UTC (17,5%) e Kawasaki (30%), teve que diminuir o ritmo das obras de construção do empreendimento e tentar acelerar a fase industrial para manter o fôlego. O resultado disso são quase 1.000 demissões desde o início de dezembro nos quadros do consórcio construtor do estaleiro (SEP), controlado também pela Odebrecht em parceria com a OAS e a Constran (do grupo UTC). Foram 470 demissões entre os dias 6 e 10 de dezembro de 2014 e mais 500 na última semana, nos dias 5 e 6 deste mês.

A empresa afirma que o empreendimento atingiu 82% de conclusão, o que permitiu reduzir o ritmo das obras, mas reconhece que essas 970 demissões não seriam realizadas nesses dois meses caso tudo estivesse correndo bem.

“O que foi feito foi uma antecipação desse processo, em função da crise, que é grave no País e foi bastante agravada em função da decisão unilateral da Petrobrás junto ao empresariado nacional, que investiu bilhões e trouxe também investidores internacionais para cá. É uma decisão que tem causado dificuldade para o empresariado brasileiro e incluímos a Enseada nesse momento, que foi contratada para a conversão dos FPSOs da Cessão Onerosa e das sondas de perfuração da Sete Brasil”, explicou o assessor de imprensa da Enseada Indústria Naval, mencionando a determinação recente da Petrobrás para a exclusão de 23 grandes empreiteiras de seu cadastro de fornecedores em função das denúncias apresentadas pela Operação Lava Jato.

Com essa redução do quadro de funcionários, o consórcio construtor do estaleiro mantêm atualmente cerca de 3,2 mil empregados, enquanto o estaleiro conta com mais 1.000 trabalhadores. O pico das obras chegou a empregar 7.000 pessoas, mas o avanço natural do projeto também influenciou em parte das dispensas.

“Cerca de mil demissões foram aceleradas, mas ainda não está descartada uma nova desmobilização”, concluiu a empresa.

Comperj

Andando mais 1.500 quilômetros na direção Sul do País, mais precisamente no município de Itaboraí, a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro sofre do mesmo mal. A questão mais recente se deve também à Alumini, em função da mesma briga com a Petrobrás, alegando que não tem dinheiro para pagar as rescisões dos ex-funcionários nem em Pernambuco nem no Rio enquanto não receber da estatal.

De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores das Empresas de Montagem de Itaboraí (Sintramon), que representa os operários da refinaria da Petrobrás, foram feitas cerca de duas mil demissões nos últimos meses por lá.

Da Alumini, foram 490 dispensados desde setembro, sendo que outros 2.500 estão sem receber salários desde dezembro, incluindo alguns em cargos mais altos, como de supervisores.

“A empresa vinha pagando normalmente os funcionários do Comperj até o mês de dezembro e pagou duas parcelas do acordo de rescisão de outros trabalhadores que já haviam sido demitidos, conforme o cronograma habitual de desmobilização em razão do avanço das obras. Ocorre que, por uma decisão da Justiça do Trabalho de Ipojuca/PE, as contas da empresa foram bloqueadas para o pagamento de rescisões dos trabalhadores que atuavam na Rnest. Isso ocorreu porque na Rnest a empresa não teve como honrar os compromissos com os trabalhadores, devido ao fato de ter mais de R$ 1,2 bilhão a receber da Petrobrás referentes a serviços já executados. E, com as contas bloqueadas, a Alumini não teve como pagar os salários dos funcionários do Comperj que deveriam ter sido depositados em 5/1, bem como a terceira e última parcela da rescisão dos funcionários no Comperj. Portanto, enquanto a conta estiver bloqueada, a empresa não tem como efetuar esses pagamentos”, explicou a Alumini.

UFN 3

Uma viagem de 1.130 quilômetros para o interior do Brasil, saindo de Itaboraí (RJ) rumo à cidade de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, pode deixar a já triste situação ainda mais deprimente. Se nos outros casos as obras foram freadas, mas mantiveram algumas pessoas, no projeto da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN) III tudo está paralisado. O canteiro de obras foi envolvido com cercas e nem os funcionários da área administrativa do Consórcio UFN 3 – formado pela Galvão Engenharia e pela chinesa Sinopec – têm acesso ao local.

Por ali, onde chegaram a circular cerca de 8.000 trabalhadores entre junho e julho de 2014, no pico das obras, hoje apenas 130 pessoas continuam tendo emprego. Ainda assim, sem muitas atividades. Nas palavras do presidente do Sintiespav-MS, Nivaldo da Silva Moreira, que representa os trabalhadores locais, “estão todos parados”.

De outubro para cá, foram 3.500 demissões, sem o pagamento das rescisões. A disputa entre a Petrobrás e o consórcio era a mesma de todas as outras obras. Um cobrava o pagamento de aditivos por questões que não estavam previstas inicialmente e a outra negava que devesse qualquer valor extra ao pré-acordado. Não teve conversa. A Petrobrás rescindiu o contrato e mandou parar tudo.

Quem ficou na mão foram mais uma vez os operários, que se viram sem ter para onde ir e sem dinheiro para sequer pensarem em respirar enquanto a briga de gigantes não terminava. O sindicato e os operários apelaram de todas as maneiras para que a estatal pagasse as rescisões, mas ela manteve a tradicional resposta de que não devia nada a ninguém.

Foram feitas as primeiras manifestações, com bloqueio de estrada e etc, até que surgiu uma negociação e a Petrobrás liberou cerca de R$ 7 milhões para a quitação de apenas uma parcela das dívidas. Quando viram que estava muito longe do que deveriam receber, os trabalhadores voltaram a buscar seus direitos. Não houve resposta até que a justiça se pronunciou e determinou o bloqueio das contas das três empresas. Segundo Nivaldo, foram cerca de R$ 400 mil da Galvão, R$ 1,2 milhão da Sinopec e R$ 48 milhões da Petrobrás.

Com esse dinheiro, os ex-funcionários começaram a receber o que era devido, processo que ainda está em curso. Mas, nos últimos dias, mais um contingente foi dispensado. Quando saiu a decisão judicial citada, ficariam 600 funcionários no local para a desmobilização dos canteiros. No entanto, na semana passada mais de 450 foram mandados embora, deixando cerca de 130 funcionários, todos sobressaltados sobre o rumo que isso irá tomar nas próximas semanas.

“A Petrobrás dizia que não devia, que era problema da empreiteira, que não tinha mais nada a acertar com as empresas e a gente sempre alertando que ela fazia parte. Ela devia fiscalizar as obras também”, afirmou Nivaldo, complementando: “A Petrobrás não fala no assunto sobre a retomada. A cidade está desesperada. O consórcio tem R$ 20 milhões de dívidas com fornecedores. Na lista de processos do cartório hoje, tudo que consta é referente ao consórcio UFN 3. A situação está crítica, delicada”.

Está mesmo. A situação é crítica e delicada para todo o País no momento, assim como para a Petrobrás, que se vê numa das piores encruzilhadas de sua história. Com uma dívida de centenas de bilhões de dólares, vendo a moeda americana subir bem acima do previsto e o preço do barril de petróleo cair vertiginosamente, a estatal tem pouquíssimas esperanças em que se ancorar. A consequência é também um horizonte escuro para a indústria e para os trabalhadores do País. Além da apuração de toda a corrupção que apareça dentro da companhia, é hora de todos conversarem e tentarem chegar a um mínimo de consenso que não pare as obras por todo o território nacional e não prejudique ainda mais o Brasil. Estado, indústria e mão de obra.

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