O direito ambiental brasileiro tem avançado no debate sobre até que ponto o Direito Penal deve ser usado para proteger o meio ambiente. Uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Habeas Corpus nº 831121/SC, trouxe um importante posicionamento: é possível aplicar o princípio da insignificância também em crimes ambientais, desde que a conduta apresente baixa gravidade e impacto ambiental mínimo.
O caso analisado envolvia um homem condenado a sete meses de prisão em regime semiaberto — pelo crime tipificado no artigo 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/98 —, por manter dois pássaros silvestres (um coleirinho e um trinca-ferro) em cativeiro sem autorização legal. Segundo os autos, ele havia recebido os animais como pagamento por um serviço simples de afiação de serrote, o que indicava que não atribuía grande valor a eles.
Tradicionalmente, o STJ tem entendido que o princípio da insignificância — usado para afastar a punição penal em casos de baixa relevância — não se aplica a crimes ambientais, justamente porque tais condutas contra o meio ambiente causam lesão significativa não apenas em dimensão econômica, mas também ao equilíbrio ecológico necessário para a preservação das condições de vida no planeta. No entanto, o relator do caso, ministro Messod Azulay Neto, avaliou que algumas situações excepcionais merecem outro olhar, principalmente quando a conduta não causa dano relevante e o agente não apresenta periculosidade.
No caso, o tribunal identificou a presença de todos estes vetores. A conduta apresentava ofensividade mínima considerando o número reduzido de animais e as circunstâncias em que foram obtidos. A ausência de periculosidade do agente ficou evidenciada pela confissão espontânea e pela natureza não comercial da conduta.
A atuação do Ministério Público Federal (MPF) foi essencial para o desfecho: o órgão reconheceu que a conduta não gerava lesão significativa ao meio ambiente e opinou pela concessão do habeas corpus. O MPF destacou que, nesses casos, punir criminalmente seria desproporcional, ferindo os princípios da fragmentariedade e da intervenção mínima — pilares do Direito Penal.
O entendimento do STJ também se baseou em um caso anterior, com quatro aves silvestres, em que a Corte já havia adotado os mesmos critérios. Isso mostra que a aplicação do princípio da insignificância em crimes ambientais vem ganhando espaço na jurisprudência, desde que bem fundamentada e restrita a situações específicas.
A decisão do STJ no Habeas Corpus nº 831121/SC representa um marco na aplicação do princípio da insignificância em crimes ambientais e reafirma que o Direito Penal deve ser a última instância de controle social — sendo aplicado apenas quando outras esferas do Direito não forem suficientes para proteger o bem jurídico. No caso dos crimes ambientais, isso significa reconhecer que nem toda infração justifica punição criminal, especialmente quando não há risco real ao meio ambiente.
*Ricardo Murilo da Silva
Especialista em Direito Ambiental do escritório Flávio Pinheiro Neto Advogados
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