A mesma Grécia – que deu origem à democracia – criou e permitiu a tirania. Nem todos os democratas foram defensores da paz e da liberdade, como nem todos os tiranos foram violentos e injustos. Ao longo do tempo, a política aconteceu no embate de ideias, a esquerda e a direita surgiram na França (1789) polarizando, confrontando eleitores muito além de imaginários, como hoje acontece.
Pode haver quem pense em não se comprometer, ficar no centro e evitar confrontos. Acreditar em um suposto equilíbrio é um equívoco. O centro caracteriza falta de coragem, de opinião, de comprometimento com os legítimos interesses coletivos. Na falsa imparcialidade, esconde-se o fisiologismo, a prática do ditado popular: “Farinha pouca, meu pirão primeiro!”. Fingir estar bem com todos os lados é oportunismo.
Com a crescente agressividade do debate político, surgiu uma perigosa tendência em relativizar absurdos. Não se pode considerar “normal” o que não é, optando por uma tolerância inconcebível e prejudicial. Erros devem ser enfrentados e resolvidos da melhor maneira, dentro da realidade e da lei, sem agradar lados.
A democracia permite, sob o amparo de algumas regras, que pessoas de todas as origens e posições alistem-se em um partido e, em consonância com a proposta ideológica e o programa de ações dele, sejam candidatas aos cargos eletivos. Com a proximidade das eleições para vereadores e prefeitos das cidades brasileiras, além do horário eleitoral gratuito – que de gratuito não tem nada, porque custa muito produzir publicidade (o que foge à proposta de isonomia na disputa) –, temos os debates. A imprensa, no seu papel de informar e gerar reflexões, promove o confronto entre os candidatos aos cargos majoritários.
Surge, mais uma vez, um perigoso clima de frustração na sociedade e, pior, o risco de serem eleitos os menos preparados. Porque aparecem nomes que não têm trajetória, ética, capacidade política, conhecimento dos problemas para cumprir a função dentro da liturgia do cargo. A palavra “prefeito” vem do latim praefectus, que significa “posto acima dos outros”.
Ainda bem que temos democracia! Mas, em contrapartida, quando se observa, por exemplo, em São Paulo, a candidatura de Pablo Marçal (PRTB), que é a antítese do que se espera de um prefeito, e o povo demonstra intenção de votar nele, cresce a discussão sobre relativizar. Não se pode crer na possibilidade de alguém despreparado, histriônico, agressivo, preconceituoso e de intergridade discutível ocupar um cargo público de tanta relevância. Simplesmente porque tem “jeitão” de quem vai “botar pra quebrar”, “colocar ordem na bagaça”.
Pablo Marçal, como muitos outros candidatos pelo País, é um sombrio exemplo do que podemos chamar de “Democracia Bolsonariana”. Ou seja, um ditador eleito pelo voto. Alguém que é alçado ao poder sem a mínima condição de exercer tal mandato dentro das expectativas da sociedade, mas que representa, pela falta de educação, de cultura e de consciência política, para as vítimas de políticos como ele, que desprezam a educação e a cultura, o falso “salvador da Pátria”. O “lobo em pele de cordeiro” que pode ser eleito pela desesperança, pela mentira presente nas redes sociais em irresponsável disseminação.
Voto não é arma, é ferramenta. Muito cuidado no uso dele!
*Ricardo Viveiros
Jornalista, professor e escritor, é doutor em Educação, Arte e História da Cultura; autor, entre outros livros, de A vila que descobriu o Brasil, Justiça seja feita e Memórias de um tempo obscuro.
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