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Reportagem Especial Quinta-feira, 02 de Junho de 2022, 19:30 - A | A

Quinta-feira, 02 de Junho de 2022, 19h:30 - A | A

Reportagem Especial

Cozinheira supera o racismo na missão de ajudar o próximo

“Se você me virar de cabeça para baixo não cai uma moeda, mas eu sou feliz!”, diz Fátima

Renata Silva
Especial para o Capital News

Acervo pessoal

Cozinheira supera o racismo na missão de ajudar o próximo

Preparando a sopa de quinta-feira

Todas as quintas-feiras dona Fátima Aparecida Gomes, de 70 anos levanta o portão da garagem de casa e prepara um “sopão”. E ali, na varanda da residência simples, aonde mora com o marido e quatro filhos ela distribui, sem cobrar nada, o alimento a quem passar por ali. A pessoa precisa levar apenas a vasilha.

Acervo pessoal

Cozinheira supera o racismo na missão de ajudar o próximo

Fátima e o marido


Esse gesto solidariedade pelo próximo, existe há quase dez anos e é a prova real de que o amor pode superar todas as adversidades. Dona Fátima é cozinheira, mora do bairro Ramez Tebet, na Capital, é uma mulher preta e pobre, nascida no interior de São Paulo-SP, numa família de 26 irmãos.


A cozinheira veio para Campo Grande aos 18 anos de idade e, a duras penas, entendeu que morar numa cidade desconhecida, seria o menor dos desafios que enfrentaria. “Em São Paulo tinha racismo, mas não como aqui. Eu me lembro uma vez que uma mulher me contratou para fazer comida na casa dela. Assim que eu cheguei, ela falou: Eu não sabia que você era assim. Eu perguntei: Assim como? Ela apontou, assim! Ela não quis que eu fizesse a comida e pediu para eu ir embora. E na hora de sair, o filho dela derrubou umas rutas caíram no chão, eu tentei ajudar. As frutas que eu coloquei a mão, ela jogou no lixo” detalha.

"As frutas que eu coloquei a mão, ela jogou no lixo”


Esse foi o primeiro episódio de uma série de tantos outros parecidos que Fátima prefere nem lembrar, uma triste realidade que está muito presente no país, o racismo. Um levantamento feito pelo PoderData em 2021 mostra que 79% dos brasileiros afirmam que existe racismo no Brasil. Só 39%, no entanto, admitem ter preconceito contra pessoas negras, enquanto 53% negam. Os que dizem não haver preconceito contra negros no país são 14%.

São dois os tipos de crimes, com penalidades e significados diversos a quem comete crime contra uma pessoa pela cor de pele. A injuria racial, com punição entre 1 e 6 meses de reclusão, é quando alguém ofende o outro a partir de suas características de fenótipo, como por exemplo a cor da pele.

Acervo pessoal

Cozinheira supera o racismo na missão de ajudar o próximo

Preparando a sopa de quinta-feira


O racismo é quando, também por esse motivo, a pessoa é privada do acesso a algo que outros têm. É o caso, por exemplo, de quem perde uma vaga de emprego por ser preto ou é impedido de entrar num restaurante. A pena prevista pela lei brasileira vai de dois a cinco anos.

 

Embora infelizmente episódios de racismo até façam parte da vida de Fátima, ela não se deixa abater, segue a vida fazendo o que mais ama nesse mundo, ajudar o próximo. Seu gesto de solidariedade não têm barreiras e mesmo com apenas os salários-mínimos dos dois filhos para manter a casa, toda quinta-feira faz sopa para alimentar cerca de 100 pessoas.

Ela conta que numa panela de 30 litros, coloca o que têm na geladeira. “As vezes não tem macarrão, aí eu coloco arroz ou minhas vizinhas me ajudam. Faça chuva ou faça sol, a sopa vai sair e não é só pra quem está em situação de vulnerabilidade não, todo mundo pode pegar. Ninguém sai daqui sem, só se acabar mesmo”, enfatiza.

"Faça chuva ou faça sol, a sopa vai sair e não é só pra quem está em situação de vulnerabilidade não, todo mundo pode pegar. Ninguém sai daqui sem, só se acabar mesmo”


Dona Fátima já ganhou até retribuição. A cozinheira fala que certa vez um homem passou na garagem dela e disse: Dona Fátima eu tô com fome, ela explica que deu o que tinha na geladeira para alimentá-lo. Na semana seguinte ele a surpreendeu, trazendo ingredientes para que ela fizesse a refeição. “Se você me virar de cabeça para baixo não cai uma moeda, mas eu deito a cabeça no travesseiro com a sensação de dever cumprido. Eu sou feliz!” finaliza.

 

 

Acervo pessoal

Cozinheira supera o racismo na missão de ajudar o próximo

Fátima e os filhos

Álbum de fotos

Acervo pessoal

Quatro filhos de Fátima

Acervo pessoal

Preparando a sopa de quinta-feira

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