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Domingo, 19 de Maio de 2019, 12h:48

A história de Cajuína, clássico de Caetano Veloso sobre Teresina

Por Vinícius Mendes

Da coluna Entrelinhas da Notícia
Artigo de responsabilidade do autor

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ColunaCultura

"Existirmos, a que será que se destina?", questiona Caetano Veloso no primeiro verso de Cajuína, clássico de sua carreira que apareceu no disco Cinema Transcendental, de 1979 e que ele mesmo admitiu, em uma entrevista no começo dos anos 2000, que é uma de suas preferidas. A resposta não vem na sequência da canção, justamente porque parece ser uma provocação que cabe ao ouvinte (ou leitor) responder.

Caetano provavelmente se fez essa pergunta também na cena que o inspirou a escrever a música, durante uma visita à casa do pai do poeta Torquato Neto, que havia se suicidado em 1972 em Teresina, no Piauí, sua terra natal.

Em Verdade Tropical, o cantor dá a sua versão mais acabada para o episódio, contando que fora um grande amigo de Torquato nos anos 1960 e que, na época de sua morte, eles estavam um tanto afastados um do outro -- o poeta tinha se tornado mais próximo do cantor e compositor Chico Buarque, que estava ao lado de Caetano quando ambos receberam a notícia de sua morte.

O poeta e escritor piauiense Paulo José Cunha escreveu há alguns anos que a ocasião da visita de Caetano ao pai de Torquato, Heli Nunes, aconteceu durante uma turnê em que o cantor desembarcou na capital do estado para um show. "Ele retornava pela primeira vez à cidade onde havia nascido um de seus principais parceiros na Tropicália e seu grande amigo", disse.

O próprio Caetano afirmou o seguinte durante o programa Altas Horas, da Rede Globo, em 2014: "Torquato era um parceiro, letrista do Tropicalismo, e ficamos muito abalados com sua morte, mas eu não chorei quando soube. Mas quando eu fui a Teresina, anos depois, e encontrei o pai do Torquato no hotel -- ele foi me procurar. Quando eu o vi, chorei muito. No final, ele ficou me consolando e me levou à casa dele. Ele estava sozinho porque a esposa dele estava hospitalizada e Torquato era filho único", começou.

"A casa dele tinha muitas fotografias do Torquato e nós ali, sozinhos, ficamos em silêncio. Ele ficava passando a mão na minha cabeça e dizendo: 'Não chore tanto'. Aí ele foi na geladeira, pegou uma garrafa de cajuína, colocou dois copos e ficamos bebendo sem falar nada. Depois ele foi no jardim, colheu uma rosa-menina e me trouxe. Cada coisa que ele fazia eu chorava mais", continuou, se referindo à flor mais encontrada nas floriculturas da cidade.

Na cidade seguinte à turnê de Caetano pelo Nordeste, na primeira parada, ele diz ter composto a canção. Em Verdade Tropical, Caetano diz que assim que soube da morte de Torquato, sentiu uma "dureza de ânimo". "Me senti um tanto amargo e triste mas pouco sentimental", o que foi quebrado apenas quando ele foi à casa de Heli.

Torquato Neto
O poeta e letrista Torquato Neto surgiu no cenário nacional em 1967, ao lado dos compositores mais famosos do movimento que seria chamado de Tropicalismo. Com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo e Jards Macalé compôs canções como Geleia Real, Louvação, Marginália 2, Mamãe Coragem e Deus vos Salve esta Casa Santa. Além disso, também trabalhava como jornalista -- tinha uma coluna chamada Música Popular no jornal O Sol e outra, batizada de Geleia Real, no Última Hora. O aumento da repressão durante a ditadura militar fez com que ele se afastasse dos amigos e do trabalho e se internasse em uma clínica diante de um quadro de instabilidade mental.

Conhecido como o Anjo Torto da Tropicália, Torquato se suicidou em novembro de 1972, um dia depois do seu aniversário de 28 anos. Os amigos tinham acabado de deixar sua casa, no Rio de Janeiro, quando ele entrou no banheiro e ligou todas as torneiras de gás, morrendo asfixiado. Os jornais da época relataram que as últimas anotações encontradas em seu caderno de espiral traziam frases como "Pra mim chega" e "O amor é imperdoável", esta última atribuída justamente a Caetano Veloso.