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ENTREVISTA Segunda-feira, 30 de Março de 2015, 08:02 - A | A

Segunda-feira, 30 de Março de 2015, 08h:02 - A | A

ENTREVISTA

Odilon de Oliveira: Apaixonado por farofa, juiz mais ameaçado do Brasil não quer ser celebridade

Luana Rodrigues
Capital News

Deurico/Capital News

Odilon de Oliveira

Odilon de Oliveira, juiz federal

Farofa é comida de brasileiro. Em nenhum outro lugar do mundo existe uma farofa como a nossa. E quem é que não gosta de farofa? Existe sim, um preconceito contra quem se declara “farofeiro”, mas e daí? O sabor é bom e ninguém nega. “Você perguntou qual é minha comida preferida? Minha comida preferida é farofa!”. Foi logo no início da entrevista, nessa resposta, que me dei conta de com quem estava lidando.

 

Odilon de Oliveira, 66 anos, brasileiro, filho de nordestinos, um retirante da seca. Casado há 40 anos, tem três filhos e dois netos. Não dá para dizer que é um homem de poucos amigos, mas também seria errado classificá-lo como alguém sem nenhum inimigo. Muito errado. Afinal, há escolta o acompanhando durante 24h, e eles não fazem isso por hobby, ou porque Odilon se agrada com a companhia. O problema mesmo são as ameaças.

 

Mas são tantos inimigos? Nem ele sabe o número ao certo. É que durante 28 anos de trabalho na Justiça Federal lhes renderam alguns inimigos, a maioria traficantes poderosos, que foram condenados e perderam bilhões de reais do tráfico. Já são 17 anos vivendo sob forte escolta da Polícia Federal. Quantos homens? São 10, estilo a guarda-real. Um prisioneiro? “Sim, tal como os criminosos que condeno. Mas vale a pena”.

 

Personagem de filme, o juiz federal Odilon de Oliveira, recebeu a reportagem do Capital News em seu gabinete na Justiça Federal de Mato Grosso do Sul. Uma sala comum, papéis sobre a mesa, um sofá confortável, muitos, muitos quadros de homenagens na parede, e uma conversa sobre tráfico de drogas, justiça e política brasileira, e a vida do único juiz do Brasil que vive tão preso quanto os criminosos que condena.

 

Capital News: Quem é Odilon de Oliveira, para Odilon de Oliveira? Que comida mais gosta? Que tipo de música? Hobby?
Odilon: É uma pessoa comum como as outras. Agora, cada um tem o seu diferencial, o seu perfil. Você me perguntou qual comida eu mais gosto, eu gosto de farofa. É o prato que eu mais adoro. Inclusive, esses dias eu estava fazendo uma aposta com a moça que trabalha lá em casa, e eu perguntei para ela se ela sabia qual era o prato que eu mais gosto. Eu falei que era farofa e ela disse que já esperava, que não poderia ser outro.

Deurico - Capital News

Odilon de Oliveira

Odilon de Oliveira, 66 anos, brasileiro, filho de nordestinos, um retirante da seca

Capital News: Como foi sua infância? A Alfabetização e depois a escolha da faculdade?
Odilon: Nós nascemos lá em Pernambuco, eu e mais três irmãos. Nós éramos quatro na época, hoje nós somos oito. Nascemos em um lugar chamado Serra do Araripe, que toca o Município de Exu, em Pernambuco. Lá eu vivi até a idade de quatro anos, e depois nós nos mudamos de lá, toda a família, por causa de uns tios, que já estavam aqui no estado de Mato Grosso. Nós nos mudamos porque a cidade onde nós estávamos não tinha meio de subsistência. E naquela época, em 1954, era muito difícil. Nós gastamos 16 dias de Pernambuco até Mato Grosso, em uma cidade chamada Jaciara, na época nem existia cidade, existia só uma rua. E a gente veio num pau de Arará, era um caminhão coberto com lona e um monte de gente dentro. Nós viemos a convite do governo do estado, não com alguma distinção a nós, mas é que naquela época estava havendo um povoamento melhor dessa região, o estado era bastante deserto, principalmente a parte do norte. E muitos nordestinos, assim como iam para São Paulo, também vinham para o Mato Grosso, que naquele tempo era um só estado. E foi nessa leva que a gente veio. O governo pagou a passagem e as despesas todas, e cada um recebeu um lote de terra de 11 ou 12 hectares, conforme o tamanho da família. Fui alfabetizado em casa mesmo, por um professor chamado José, que era nosso colega, trabalha com a gente na roça, mas como ele sabia, ele ensinava pra gente. Trabalhava durante o dia e a noite estudava. Com 17 anos eu sai da roça, ai fui estudar numa escola do governo federal. Era uma escola agrícola, em que a gente trabalhava na roça e também estudava. Ali a gente ficava internado, ganhava roupa, comida, e só voltava para casa de seis em seis meses. Depois fui servir o exército, e foi lá que me despertou a curiosidade para entrar na faculdade de direito. Mas primeiro eu fiz o vestibular para pedagogia, depois eu mudei para direito. Eu me formei com 29 anos de idade.

 

Capital News: O senhor se considera uma pessoa simples por ter essa história de vida?
Odilon: Eu me considero uma pessoa simples. Muita gente tem uma interpretação errônea a meu respeito, acham que eu sou daquelas pessoas que a gente só vê na televisão. Pensam que eu sou metido, cara fechada, e que não convivo com as pessoas, e na verdade eu sou completamente diferente. Primeiro porque eu me considero uma pessoa como qualquer outra, nunca melhor do que ninguém. Apenas porque eu consegui fazer uma faculdade cai na condição de juiz, então eu não estou no lugar do lavrador, por que ele não está no meu lugar. O que nos diferencia é o que a gente faz, eu faço uma coisa e ele faz outra. Então eu me considero uma pessoa simples, que gosta de abraçar as pessoas...

 

Capital News: Qual é o principal caso que o senhor já julgou? E criminoso, tem o principal?
Odilon: Olha, não dá para selecionar um principal. Tem muitos casos que são interessantes para a pessoa enquanto juiz, e não são tão interessantes para a sociedade. A gente como juiz, considera todos os casos iguais. Criminosos tem muitos, como eu atuo mais na área de crimes organizado, eu tenho que lidar com muitos casos de tráfico internacional, sonegação, corrupção, então todos os casos e todos as prisões de criminosos são bem expressivas.

 

Capital News: Sabemos que o senhor recebe muitas ameaças, como elas chegam?
Odilon: Eu recebo muito telefonemas ameaçadores, já recebi cartas anônimas, várias cartas. Agora o que eu diria assim que são mais ‘reais’, são os planos que a polícia descobre, eles já descobriram vários planos de me matar e é por isso que eu sempre ando com escolta.

 

Capital News: Como é que funciona essa escolta?
Odilon: A escolta funciona 24h por dia, o tempo todo estou escoltado, dentro de casa, quando saio. São 10 agentes, que são trocados a cada quatro meses, justamente para não criar nenhum vínculo entre eu eles.

 

Deurico - Capital News

Odilon de Oliveira

"Liberdade eu não tenho", diz Odilon

Capital News: Com toda essa questão das ameaças e também a escolta, o senhor se sente um prisioneiro?

Odilon: Liberdade eu não tenho. Se a pessoa vive 24h cercado por policiais, ou seja, seguranças, logicamente não ter liberdade. Você não pode ir aos lugares que você quer, sair a noite, frequentar ambientes muito abertos, não pode sair na calçada da sua casa sem que seja com policiais. Então a gente não tem liberdade nenhuma.

 

Capital News: O senhor se considera o principal inimigo do tráfico?
Odilon: Não. Eu já li a respeito disso, mas eu nunca me declarei o inimigo número 1 do tráfico como a imprensa normalmente escreve. Os criminosos podem até me considerar o principal inimigo deles, mas na verdade eu não sou, por que só aplico a lei, e a lei é sempre a mesma.

 

Capital News: O senhor já fez um levantamento de quanto foi o prejuízo que o senhor causou ao tráfico de drogas?
Odilon: Eu tenho uma estimativa, que de uns 8 anos para cá, seja algo em torno de R$ 1, 5 bilhão. Tem muitos imóveis valiosos, muitas fazendas e de vários estados. Isso, definitivamente, causa um prejuízo imenso para a criminalidade, mas nós estamos tirando nada da criminalidade, nós estamos devolvendo para a sociedade. Mas, são mais ou menos 150 imóveis rurais, 250 urbanos e mais de mil veículos, entre eles carros, motos, aviões.

 

Capital News: Provavelmente algum criminoso já ofereceu alguma recompensa pela sua morte, o senhor tem alguma informação do valor? Quanto custaria sua vida?
Odilon: Já tiveram vários depoimentos de criminosos dando conta disso. Mas ai tem jornais, principalmente do Paraguai, que publicam um milhão de dólares, outros sessenta mil dólares, outros cem mil.

 

Capital News: É mais perigoso investigar a corrupção política do que o tráfico?
Odilon: O tráfico é mais, porque a traficância corre no meio de uma violência, é um mundo muito violento, e é um mundo que se trabalha com armas pesadas, pistoleiros, essa gente toda. Já a corrupção é diferente, não é um mundo tão violento, não é um crime que causa um efeito tão desastroso e tão violento.

 

Capital News: Pode- se dizer então que o senhor prefere combater o tráfico de drogas?
Odilon: Não, para mim é indiferente. Mas, eu gosto de combater o mundo do tráfico, porque o tráfico para mim é um crime extremamente hediondo. O traficante ele mata por matar, ele é um genocida. Ele não mata só uma pessoa, ele mata em quantidade. E ele próprio não sabe quantos ou quem ele matou, mata de maneira indeterminada.

 

Capital News: Muita gente comenta que gostaria de vê-lo em algum cargo político, o senhor tem alguma pretensão?


Odilon: Numa escala de 1 a 10, minha pretensão chega a 3, estourando 4. Eu não acho que eu tenha perfil para a vida política, porque muito políticos são honestos, mas esse espaço da política de modo geral é muito nojento, muito seboso, mas eu não tenho estômago para isso. Agora pode ser que algum dia, quando eu me aposentar, eu vá para a política, mas eu vou levar minha outorga, a minha mesma roupagem, minha honestidade. Se eu for, eu irei assim.

 

Capital News: Então, podemos dar alguma esperança para os brasileiros?
Odilon: Não sei (risos). Mas o que eu tenho vontade mesmo de fazer quando eu me aposentar, a minha prioridade número 1, é abrir uma entidade para tratar dependentes químicos. Eu tenho vontade de criar uma fundação com meu nome, para atender a eles de graça. Porque a medida mais eficiente é a prevenção, agora fica difícil prevenir em um país como o Brasil, que é corrupto e que trata as famílias como detalhe. Para gente falar em prevenção, a gente tem que estruturar as famílias, porque tudo parte da família. Se você tiver uma família bonita, você terá uma sociedade bonita. Então tem que ter uma política de prevenção ao uso de drogas. O Brasil é 4º país do mundo que mais perde tempo com política materno-infantil, ou seja, está tudo errado. Se você não protege a maternidade, não protege a família você nunca vai ter uma sociedade bem equilibrada. E o tratamento no Brasil, também não existe. Só de dependentes, nós temos de 0 a 18 anos de idade 275 mil. Quantos clínicas especializadas tem para tratar? Duas mil e pouco, não chega a três mil. Isso só contando as crianças, viciadas só em crack, mais uns 150 mil viciados em cocaína, três vezes mais viciado em maconha, em droga sintética. Então se uma mãe quiser internar um filho, pode bater em todas as portas de hospitais de Mato Grosso do Sul que não vai abrir nenhuma. Então para mim é um Brasil completamente irresponsável, completamente cara de pau.

 

Capital News: O que o senhor pensa sobre a atual situação político-econômica do Brasil?

Deurico - Capital News

Odilon de Oliveira

"O que tem desastrado o Brasil mesmo é a corrupção, o desmando", considera o Juiz

Odilon: Eu penso que o que tem desastrado o Brasil mesmo, inclusive materialmente falando, é a corrupção, o desmando. No ano de 2006, segundo a Fiesp, a corrupção federal chegou a R$ 26 bilhões, em 2008 a corrupção chegou a R$ 41 bilhões, em 2010, o último levantamento feito pela Fiesp, apurou uma corrupção de R$ 69 bilhões por ano. Ai você pega o somatório de tudo durante 10, 15 anos, para você ver. Bom, a partir de 2010 a Fiesp não fez mais o cálculo, a i eu contratei uma pessoa especialista para fazer a projeção em 2014 e o valor chegou a R$ 183 bilhões. Isso desestimula os investimentos, porque alguém de outro país não vai querer investir um país com tanta corrupção, além de ter gastar 10% com segurança, porque a segurança é uma porcaria no Brasil.

 

Capital News: Para o senhor, bandido bom é bandido morto?
Odilon: Não. Há algumas pessoas que não se recuperam, o Brasil vai gastar a vida inteira de investimento, mas a pessoa não tem recuperação. Agora, a grande maioria tem recuperação, porque a sentença que o juiz profere na esfera criminal, ela tem duas finalidades, a primeira é que seja uma oportunidade para a pessoa se recuperar e ser reinserida na sociedade. A segunda finalidade é o cumprimento da pena. No Brasil, não há uma coisa nem outra, ou seja, aquilo é um chiqueiro de porco, aquilo não prepara ninguém. O sujeito vai para a prisão, depois de anos ele volta para a sociedade sem nenhuma profissão, e ele volta muito pior. O mundo aqui já correu, já está com uma tecnologia mais avançada, então ele volta e não tem um meio de sobreviver, de morar, de comer. Ele sabe fazer alguma coisa? Não sabe. Vai fazer o que? Vai ter que cometer um crime de volta, e as prisões brasileiras continuam cada vez mais cheias. A solução seria uma readequação do sistema prisional e criar prisões tipo escola, para educar as pessoas, personalizar as pessoas e acabar com a discriminação. Porque o sujeito é preso, quando ele sai da prisão ninguém da emprego para ele, todo mundo vira as costas. Então a sociedade cria o problema e depois ela não quer resolver o problema.

 

Capital News: Agora, para nós descontrairmos um pouco, eu soube que já lhe fizeram uma homenagem póstuma, como foi essa história?
Odilon: Uma entidade internacional estava homenageando pessoas mortas do Brasil, que morreram em razão de uma causa social. Foi homenageado um juiz de São Paulo, um promotor de justiça de Minas Gerais, a irmã Dórote, o Tim Lopes e outras pessoas. E houve um equívoco, pensaram que eu tinha morrido, que eu tinha sido assassinado, e me incluíram para receber a homenagem, lá em Vitória do Espírito Santo. E a gente foi para receber a homenagem, tinha diversas autoridades, de muitos países, estava cheio de gente, e eu fui o último homenageado. Passava o que a pessoa fez no telão e tal. Ai quando eu subi no palco, viram que era eu mesmo que estava recebendo, todo mundo ficou surpreso, causou um constrangimento, e não quiseram me entregar. Mas depois eu insisti, insisti até que me entregaram aqui em Campo Grande, em 2008, dois anos depois.(risos)

 

 

Capital News: Existem muitos boates sobre sua conduto profissional e pessoa, até a história de uma amante?

Deurico - Capital News

Odilon de Oliveira

"Então iria me prejudicar completamente", conta Odilon

Odilon: Essa história da amante foi uma ficção, algo criado. Isso foi em Ponta Porã, e naquele tempo a criminalidade organizada gostava menos ainda de mim e então eles queriam de toda maneira me prejudicar, e tentavam me atacar moralmente. Eles criaram uma amante para mim, e essa amante haveria de cruzar a fronteira, e ir até uma televisão com o olho roxo, dizendo que era minha amante e que aquele olho roxo era por conta de ‘murro’ que eu dava nela, com a finalidade de me atacar moralmente e causar a desunião entre minha família. Mas, eu tive sorte porque a primeira pessoa que eles procuraram era conhecida de policiais federais, e ela contou para um policial, e ele veio e me contou e frustrou o plano. Mas eles iam perguntar: “e porque que ele bate em você?”, e a mulher teria de responder: “o doutor Odilon bate em mim porque ele é impotente. Então iria me prejudicar completamente, porque se eu voltasse pra casa, minha mulher iria falar o que? “Pode voltar da porta, porque além de ser sair na televisão que você tem uma amante ainda sai como impotente.” (risos)

 

Capital News: Depois de tanto tempo de serviço público, quando o senhor olha para trás, valeu a pena?
Odilon: Se você levar pelo lado pessoal, não vale a pena. Você desastra sua vida, acaba com sua vida, com a sua liberdade, afeta sua família, você fica preso. Então pelo ponto de vista individual não vale nada. Agora você precisa se olha dentro de um contexto, então eu tenho que trabalhar me portando como integrante daquele contexto. E eu olho tudo pelo lado da espiritualidade. Você está aqui na terra como jornalista cumprindo um projeto, porque um projeto individual eu tenho, você tem. Mas Deus tem um projeto grande, e aquele seu projeto individual se encaixa perfeitamente. Então sob esse aspecto coletivo, social, vale muito a pena. Voltaria a terra se fosse possível e faria tudo de novo.

 

Capital News: O que o senhor acha da homenagem feita por meio do filme ‘Em nome da lei’?
Odilon: Esse filme é uma ficção baseada na realidade de um juiz, e por coincidência, esse juiz sou eu. Pra começar ele é uma super produção, porque é feito por empresas poderosas, a Globo, a Fox filmes, então é um investimento altíssimo e isso para mim é uma honra muito grande, e acredito que seja também uma honra para Mato Grosso do Sul. Porque o que eu fiz como juiz, como funcionário, eu não fiz sozinho, eu contei com muita gente, é um trabalho coletivo. O grande homenageado ai é quem trabalhou a vida inteira, eu sou só um representante.

 

 

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Gilson Giordano 04/04/2015

Parabéns pela belissima reportagem. Simples linguagem do cotidiano.. risos.. bem leve mesmo como o povo e eu particilarmente, gostamos de ler. De um a dez.. dou nota 9

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1 comentários

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