Sexta-feira, 19 de Abril de 2024


ENTREVISTA Sábado, 01 de Novembro de 2014, 10:28 - A | A

Sábado, 01 de Novembro de 2014, 10h:28 - A | A

Promotor da Infância e Juventude afirma que sociedade chegou ao limite sobre falta de regras

Gabriel Kabad - Capital News (www.capitalnews.com.br)

Saindo de uma audiência e a caminho de uma palestra. Assim, nesse meio tempo o promotor Sérgio Harfouche, responsável pela 27ª Promotoria de Infância e Juventude, recebeu a reportagem do Capital News no Ministério Público Estadual na tarde de quinta-feira (30). O objetivo era conseguir do especialista o esclarecimento de dois fatos: a facilidade com que o douradense Jeferson Porto da Silva, de 33 anos, aliciou 50 adolescentes a manterem relações homossexuais com ele; e ainda o aumento de casos de pedofilia em Mato Grosso do Sul, segundo números divulgados pela Polícia Civil nesta semana — 92 denúncias de pedofilia em 2014, número 46% maior do que em 2013.

Acontece que os assuntos borbulharam, e os problemas, principalmente os mais frequentes que cercam os jovens brasileiros como consumo de drogas lícitas e proibidas, sexo prematuro, falta de vontade para com os estudos, e projetos de lei polêmicas como o que autoriza crianças, com consentimento “próprio”, a mudar de nome e solicitar operação para mudança de gênero. 

Para o promotor, a retidão com que nossos pais e avós foram criados, seja em sala de aula, seja em casa, não existe mais atualmente à proporção como era. “Oras, o professor tirava a gente da sala de aula pela orelha antes”. Depois dessa fala, Harfouche mostra uma pilha de processos, com reclamações de professores quanto à abusos cometidos por alunos.

Muito requisitado para palestrar e visitar o Congresso Nacional, por exemplo, o promotor tem muito a dizer sobre o assunto comportamento. Conheça um pouco desse pai de quatro filhos, natural de Fátima do Sul e que queria ser médico, mas hoje é conhecido em Campo Grande por defender o interesse maior do resgate do respeito e ética por parte da juventude. Leia a seguir as melhores partes da entrevista.

Capital News: Sobre o caso do douradense que aliciou 50 adolescentes para fazerem sexo com ele, é impressionante a facilidade como ele mentia aos jovens. É fácil aliciar os mais novos hoje em dia?

Harfouche: Depende do tipo de formação que os pais dão às crianças. Com o grau de distanciamento que os pais transferem os seus filhos às escolas, a pouca orientação dos pais, a pouca formação das crianças, torna sim essa geração vulnerável. Hoje tem muita coisa polêmica, tem um projeto de lei que diz que se alguma criança se sentir desconfortável quanto ao seu nome e à sua formação genital, pode pedir alteração. Todo mundo sabe que um caso desses é pra quem tem vida sexual ativa.

Capital News:  É verdade que em Campo Grande quase instalaram máquinas de preservativos em escolas municipais?

Harfouche: Não chegaram a instalar. O prefeito da época mandou um projeto para a Câmara [Municipal], tinha até licitado a compra de máquinas. Uma pesquisa mostrava que 64% da população aprovavam o projeto. Eu rebati o projeto, e disse que não era verdade. Já atendi 110 mil pais, e posso afirmar que os pais não autorizam a distribuição de camisinhas para seus filhos. Fui saber sobre o projeto e descobri que a pesquisa foi feita na Joaquim Murtinho [Escola Municipal], onde a maioria dos alunos é adulta. Os pais de Campo Grande não querem que isso se faça.

Capital News: Tentaram prender novamente o Roman Polanski [cineasta acusado de manter relações sexuais com menor de idade nos EUA, caso que ocorreu há décadas] nesta quinta. Aqui no Brasil somente vai pra cadeia se o homem fizer sexo com meninas com menos de 14 anos. E esses dias soltaram o número de casos de pedofilia no Estado, que aumentou. Como é o problema de estupro e pedofilia em Mato Grosso do Sul?

Harfouche: No ano passado eu fiz entre 48 e 50 representações [acusações] por adolescentes estupradores. Nenhum desses foi internado, ou condenado. Nenhum. Lembrando que eu atendo metade dos casos, a outra metade é da 28ª [Promotoria]. Havia crianças no meio das vítimas. Um adolescente de 15 ou 16 anos que pratica um ato desses e que não é punido, a incidência é ele continuar praticando. Há dois anos, quatro adolescentes no Bairro Iraci Coelho aliciavam alunas da escola para fumar maconha e praticar sexo. Uma tinha 11 anos. Aquilo era uma rotina. Os pais das meninas não quiseram se pronunciar, simplesmente sumiram. E nenhum dos garotos foi punido.

Capital News: A pedofilia é uma doença?

Harfouche: No mínimo é um transtorno de caráter. O pedófilo desenvolve-a, direciona-a. Aí que começa a entrar o questionamento desse pessoal que quer liberar a maconha. Eu tenho denúncias de que na Praça do Rádio, os adolescentes estão se reunindo e fumando maconha. Às 5 horas da tarde. Já pedi para investigar o caso.

Capital News: É possível liberar a maconha no Brasil?

Harfouche: Estamos lutando por todos os lados para que isso não aconteça. Participei de um debate no Senado na semana passada. Tem gente lá que ta promovendo, em nome de terceiros, a liberação da maconha. Está demonstrado que a maconha traz um malefício enorme. Eles falam que tem muita gente presa, que tem que dar uma solução pra isso. Falam sobre a maconha medicinal. Sabia que tem um grupo que está sendo orientado para liberar a maconha medicinal no Brasil, mesma estratégia praticada nos EUA. Eles tão vindo para o País, se instalando. Essa é uma denúncia que precisa ser feita.

Capital News : Há então interesse financeiro na liberação da maconha?

Harfouche: Além de interesse financeiro, é interesse de uso. Isso acontece com outras drogas. Há médicos dependentes químicos. O narguile mesmo está se alastrando. Acabou um pouco a moda, mas tem muito ainda. Eu apreendi uma vez de um garoto, eu mesmo, na rua. Fiz isso como pessoa, como cidadão. Qualquer um pode fazer.

Capital News: Campo Grande tem muito problema de consumo de álcool por parte dos jovens?

Harfouche: Campo Grande é uma das capitais onde mais se consome álcool por adolescente. O que tem de pessoas novas fumando cigarros, que traz dependência química, debilidade na formação das vias aéreas, apesar de ser uma droga lícita.

Capital News: E aquelas festas no final da Afonso Pena ou próximas ao Aeroporto. Acabaram ou diminuíram?

Harfouche: Nada. Estão diluindo para os bairros.

Capital News: Tem muitas denúncias de bagunça na noite da cidade?

Harfouche: Tem. Tem uma festa no Empório Santo Antônio, onde recebi denúncia que estão fazendo sexo após a balada, no capô de carro na rua. Eu mandei investigar, e não se constatou que os adolescentes estavam dentro da casa, que eu duvido. Os vizinhos reclamando de gente tirando a roupa, e fazendo sexo. O que está acontecendo é simplesmente o total desrespeito à ordem e a paz social. Eu me lembro de um tempo que não podia tocar um som alto depois das 22 horas. Hoje, as pessoas sofrem porque a polícia não vai tomar providência. Agora foi aprovado um projeto de lei que proíbe a polícia de usar bala de borracha. Estão amarrando os policiais. Eu não consigo fazer um policial invadir uma casa para uma denúncia dessa ordem porque se pode constatar excesso. Em tudo se constata excesso.

Capital News: E os nossos políticos, interferem nessas questões?

Harfouche: Os nossos deputados estaduais manifestaram-se contra a liberação da maconha. Fizeram um documento, onde todos assinaram contra a liberação da maconha, e eu levei esse documento para o Congresso Nacional.

Capital News: O que pode ser feito para regatar valores na nossa sociedade?

Harfouche:Já andamos tão longe na desconstrução da família que agora é algo muito complexo. Essa ingerência do poder público na família, desautorizando os pais, lidando com a irresponsabilidade dos pais quanto aos seus filhos, tem feito que uma geração seja formada sem o referencial de respeito. Eles fazem o que querem e quando querem. E estão se dando muito mal. Evasão escolar, por exemplo. Os pais saem pra trabalhar, e os filhos vão pra rua, e vão ter contato com pessoas desocupadas. São cooptados para tráfico de drogas, prostituição. Não estou falando somente de casos na periferia, não. Já recebi casos de alunos de pais particulares. Tem casos de adolescentes de escolas conceituadas fumando maconha.

Capital News: Esses problemas seriam também constatados pela falta de estímulos como educação de qualidade ou emprego?

Harfouche: Não é, é falta de limites. Nesses últimos anos, baixou-se o padrão e qualidade da educação, para inclusão de segmentos que não se esforçam. No lugar de eu promover políticas públicas de um nível mais elevado, eu baixo o padrão de promoção para os alunos. Tudo isso vem por que é mais barato do que eu me esforçar. Com isso eu estou formando professores de qualidade inferior. Com a falta de limites, de controle, a promoção de atos, de desordem, de indisciplina, em nome de direitos humanos, tem feito a desordem se instalar. A desorganização da família. O Brasil, até o ano passado, era o quarto país em taxa de homicídios. É uma vergonha um país como o Brasil matar tanto adolescentes. Evidente que distribuir camisinhas na escola vai estimular a sexualidade precoce. Perderam o pudor com o uso de celular, meninas deixam-se filmar fazendo sexo com meninos.

Capital News: Qual a diferença para a época de nossos pais e avós?

Harfouche: Antes, mesmo usando um autoritarismo, não tinha tanto adolescente usando droga e morrendo. Hoje tem uma libertinagem, e o policial pode ser punido até pela maneira como se algema uma pessoa. No lugar de se resolver problema de escola na delegacia, tem que se resolver na escola. Se estragou, vai consertar. É nisso que estamos trabalhando: resgate dos limites. Tem que tirar nota para passar de ano, a vida é assim. A gurizada está erotizada. Estão com muita informação de forma irresponsável. Tem unidades de internação para adolescentes em que estão instalando quartos de encontro íntimo. Pode isso? Encontro íntimo para adolescentes. Precisamos de fiscalização. Eu não tenho a condição de ir a todos os lugares.

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orlando paes de mattos 05/11/2014

Excelente entrevista com o ilustre promotor que ao que parece luta sozinho contra a situação de abandono que estão os jovens brasileiros, condenados a serem vagabundos pela lei eleitoreira que os proíbe de trabalhar. Acompanhei algumas ações do promotor e uma delas foi a que tentou obrigar as adolescentes que não trabalham e tampouco acompanham os filhos nas escolas deixando a cargo das avós. Pena que sua luta não encontre ajuda de toda a sociedade.

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