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Opinião Segunda-feira, 16 de Outubro de 2017, 07:00 - A | A

Segunda-feira, 16 de Outubro de 2017, 07h:00 - A | A

Opinião

O veneno que vem do céu

Por Silvia Beatriz Adoue*

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Em 11 de outubro, das 10 h às 13 h, houve pulverização no monocultivo de mandioca na fazenda "Brinco de Ouro", no município de Ubirajara-SP, na divisa com o município de Gália-SP. A operação afeta o assentamento da reforma agrária "Luiz Beltrame" e a estação agroecológica Caetetus "Olavo Amaral Ferraz". O assentamento e a estação agroecológica, em Gália, lindam com o campo pulverizado. O fato alarmou duplamente os assentados, já que aconteceu no momento em que as crianças da comunidade se deslocavam para as escolas que frequentam em Ubirajara, e o avião fazia manobras acima do assentamento.

Divulgação

Silvia Beatriz Adoue - Artigo

Silvia Beatriz Adoue


Com 1.273 ha, o assentamento "Luiz Beltrame" é composto por 77 famílias. Há nele 27 unidades que produzem com sistema agroflorestal (SAF) e 100 ha já estão destinadas à produção agroecológica e orgánica.

Parte da área pertencia antigamente à fazenda "Portal do Paraíso", que foi declarada improdutiva e, em 2012, foi arrecadada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)[1]. Outra parte era a antiga fazenda "Santa Fé". Então, famílias que durante 4 anos vinham ocupando e sendo despejadas para a beira da estrada, entraram na sede da fazenda.

Na época, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), agência do estado para monitoramento ambiental, resistia a outorgar o licenciamento para instalação de assentamento da reforma agrária na área, por lindar com a estação ecológica. O fazendeiro e candidato a deputado federal pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) Ivan Cassaro chegou a iniciar um processo judicial para impedir a constituição do assentamento, também com o argumento da proximidade com a estação ecológica[2].

A área da estação ecológica é é de 2.178 ha, localizada entre nos municípios de Gália e Alvilândia-SP, e também foi parte da fazenda "Paraíso", pertencente a Olavo Amaral Ferraz, foi desapropriada em 1976 para constituir a Reserva Estadual de Gália. Em 1987, a reserva florestal foi transformada numa modalidade específica de  Unidade de Conservação (UC) que exige vigilância ambiental severa, sob proteção integral: a estação ecológica[3]. O seu gestor é o Instituto Florestal. A unidade possui 83% de cerrado e 17% de mata atlântica[4]. Com riqueza em espécies ameaçadas, como o mico-leão-dourado[5].

A pulverização aconteceu sobre um plantio de mandioca. A empresa que controla a fazenda possui também terras em Goiás e Mato , Grosso. Dedicados ao gado em condições de terra improdutiva, os empresários sentiram-se ameaçados pelas ocupações de sem terra que disputam a área, e então retiraram o gado e plantaram 100 alqueires de mandioca. A fazenda já vai pelo segundo ciclo de plantio.

A situação é paradigmática. São os assentados os que dão a voz de alarme frente a agressão à área que precisa ser preservada. O esforço da comunidade de "Luiz Beltrame" combina a produção de alimentos livres de veneno com a preservação e expansão do bioma, por meio dos SAFs. Isto é, a reforma agrária, contrariando os prognósticos, tornou-se garantia não só de proteção, mas também de ampliação da abundância no território. Enquanto isso, e lançando mão de uma espécie nativa e que em princípio não teria impacto negativo no ambiente, o agronegócio age com efeito destrutivo da natureza e coloca em risco os habitantes da região.

Destruída a mata para formar pastagem, com terra compactada, mesmo o plantio de mandioca, por ser realizado em grande escala, exige a utilização de veneno para se tornar rentável. Os povos da floresta, que habitaram esse território por pelo menos 2.500 anos. A mandioca e outros tubérculos foram de grande importância para preservar e expandir a abundância no território. Mas o seu modo de plantio em nada parece com o do agronegócio. Em primeiro lugar, porque os povos plantam mandioca no que modernamente se chama de cultivos consorciados e não como monocultivo. Em segundo lugar, porque a rotação de cultivos não permite o esgotamento de uma área. Essas práticas, próprias dos povos da floresta da região, aprendida na caboclagem, hoje também está sendo aprendida pelos assentados da reforma agrária.

O povo encurralado e empobrecido pela colonização, agora na forma do agronegócio, exige passagem. Para defender o território da escassez e a morte.

 

 

*Silvia Beatriz Adoue

Leciona na Escola Nacional Florestan Fernandes, é professora doutora na UNESP/Araraquara, parecerista da Revista Acadêmica Multidisciplinar Urutágua (UEM) e da Revista Eletrônica Espaço Acadêmico.

 

 

[1] Ver: http://www.incra.gov.br/incra-sp-recebe-posse-de-imovel-na-regiao-de-marilia (acesso 11/10/2017, às 16:07).
[2] Ver: web.trf3.jus.br/diario/Consulta/BaixarPdf/13089, p. 10-12 (acesso 11/10/2017, às 17:42)
[3] "Nessas unidades, é proibida a visitação pública, exceto quando com objetivo educacional, de acordo com o que dispuser o Plano de Manejo da unidade ou regulamento específico, e a pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas. Nas Estações Ecológicas são permitidas alterações dos ecossistemas no caso de: a) medidas que visem à restauração de ecossistemas modificados; b) manejo de espécies com o fim de preservar a diversidade biológica; c) coleta de componentes dos ecossistemas com finalidades científicas; e d) pesquisas científicas cujo impacto sobre o ambiente seja maior do que aquele causado pela simples observação ou pela coleta controlada de componentes dos ecossistemas, em uma área correspondente a no máximo três por cento da extensão total da unidade e até o limite de um mil e quinhentos hectares." https://uc.socioambiental.org/o-snuc/categorias-de-ucs
(acesso 11/10/2017, às 17:15).
[4] Ver: https://uc.socioambiental.org/uc/583841 (acesso 11/10/2017, às 17:02)
[5] Ver: https://uc.socioambiental.org/uc/583841 (acesso 11/10/2017, às 17:01)

 

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