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Opinião Domingo, 22 de Abril de 2018, 07:00 - A | A

Domingo, 22 de Abril de 2018, 07h:00 - A | A

Opinião

Benjamin merecia morrer?

Por Nelson Pedro Silva*

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Desde a morte de Benjamin, não sai das minhas retinas o seu rostinho e o de sua mãe contando aos jornalistas que estava comprando algodão doce, quando uma bala “perdida” encontrou seu pequeno filho, na sexta-feira, dia 16 de março de 2018. “Nessa idade os sonhos são mais simples, um pedaço de algodão doce é o mundo. Mas não deu tempo nem do algodão, nem da vida toda. Mais três pessoas morreram e outras sete ficaram feridas”, escreveu a redação de um jornal.

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Nelson Pedro-Silva - Artigo

Nelson Pedro Silva

 

Lembremos. Benjamin, 1 ano e 7 meses, foi mais uma vítima do cenário de guerra civil que já tomou conta de comunidades e bairros periféricos do Rio de Janeiro e das cidades que compreendem o chamado Grande Rio.

Os pais não tiveram sequer condições de vivenciar o luto. Eles não tinham recursos financeiros para, ao menos, sepultá-lo. Desempregados, viviam de fazer bicos. Diante disso, pediram auxílio ao Estado, mas este foi omisso. Com 10 filhos para criar, desempregados, sem a ajuda do Estado, como poderiam tê-lo? Como disse o pai de Benjamin acerca do fato de as pessoas considerarem o Rio um éden: “O paraíso do Rio de Janeiro é para poucos”.

Diante desse triste e lamentável episódio, fiquei me perguntando: Por que na Sexta-feira Santa não encontrei ato ou matéria alguma a falar sobre o assassinato de Benjamin? Será que o caso dele foi deixado de lado em razão da considerável repercussão de outro assassinato (o da vereadora Marielle)? Será que não foi dada importância porque os seus pais eram financeiramente pobres? Será porque era uma criança com tempo de vida pequeno (apenas 1 ano e 7 meses)? Será porque, sem querer (ou não), o equacionamento da criminalidade – quero crer, para poucos – passa pela esterilização de mães e pais? Será porque ele era negro e, provavelmente, por sua condição étnica somada à econômica era uma forma de acabar com um criminoso ainda no ninho? Pode parecer exagero ou discurso panfletário, mas é fato que o rostinho de Benjamin não sai das minhas retinas já cansadas de presenciar tanto horror.

Inicialmente, ao pensar em Benjamin veio à minha mente a história dos últimos dias de vida do pensador Walter Benjamin (1892-1940), que se suicidou um dia antes do término da 2ª Grande Guerra Mundial. Concomitantemente, lembrei-me do belo romance de Chico Buarque (1944-), de mesmo nome, que foi adaptado em ambientes parecidos ao que levou a pequena criança à morte.

Benjamin(m), talvez nem os seus pais soubessem, é um nome que deriva do hebraico e significa etimologicamente “filho da mão direita”, “filho da felicidade”. Certamente, Benjamin deve ter sido filho da felicidade dos pais, mesmo em meio à Vida Severina vivida por eles. É provável que a felicidade desses pais e a dos seus irmãos tenham ido para sempre. Mais ainda tenha ido perpetuamente a esperança de felicidade, de que algum dia suas vidas melhorarão, e assim eles poderão oferecer uma vida digna aos seus filhos. Agora, não mais. Falta-lhes Benjamin, que a partir desse triste episódio só viverá em suas lembranças. Está certo, como disse o escrito e nobel de Literatura José Saramago (1922-2010), que “a esperança nunca foi muito de fiar, [...] mas que lhe havemos de fazer, a alguma coisa teremos de agarrar-nos nas horas más [...]”.

O filósofo e psicanalista Renato Mezan (1950-), ao tecer considerações sobre o grau de frustração tolerável e intolerável que um cidadão pode suportar, segundo reflexões do igualmente psicanalista Hélio Pellegrino (1924-1988), afirmou que “acima de um certo limiar de frustração e impossibilidade de avanço, a organização psíquica do indivíduo começa a se esfarelar, porque ele não vê perspectivas, a sociedade aponta caminhos inviáveis para ele. Constantemente, recebe mensagens do meio social de que é um desqualificado, de que por mais que faça nada vai dar certo, que sua família vai morrer de fome. Necessidades básicas de segurança e bem-estar são negadas frequentemente e isso evidentemente aumenta a capacidade e a disposição destas pessoas para fazer coisas violentas contra o primeiro que passar”.

Indago: E se fosse o filho de alguém branco/caucasiano, seria compreendido apenas como um número a mais nessa triste estatística? Será que se fosse filho de um político profissional, de um grande empresário, de portadores de diploma de nível superior, seria apenas mais um dado para estatísticas? Penso que não!

Comentei com várias pessoas, de diferentes níveis de escolaridade, tanto da classe social dominada quanto da dominante e o meu maior espanto foi ter constatado que sequer eles sabiam desse triste acontecimento que, pelo menos por três dias, foi noticiado à exaustão.

Esse aspecto, além de nos possibilitar a feitura de diagnóstico acerca do estado de alienação ou de cegueira branca a que estamos submetidos, tomou conta de considerável parcela da população (quero crer que seja apenas parcela), confirmando o diagnóstico feito pelo psicanalista José Outeiral (1948-2013) sobre a banalização da violência: “sempre que alguém é exposto a um estímulo, repetido, semelhante, banaliza, não se percebe mais [...] Nós vivemos em um mundo extremamente banalizado. [...] Quantas vezes passamos por uma criança no chão, dormindo. Sequer paramos para olhá-la. Ao contrário. Tratamos de virar o rosto”.

E a banalização leva à indiferença: o que ela faz é desconsiderar, desqualificar o outro. Uma pessoa ignorada é como um objeto, sem vida, sem importância, afirmou a filósofa Viviane Mosé (1964-).

A esse propósito, o também filósofo e psicanalista Jurandir Freire Costa (1944-) apontou três tipos de indiferença na sociedade brasileira:

1ª a das classes dirigentes e das elites em relação aos pobres. Estes são vistos como coisas e não como pessoas. Por exemplo, o índio Galdino que foi assassinado em 2002 por cinco jovens da classe média alta de Brasília.

2ª a dos excluídos em relação às elites. Conforme Mosé, “quem não foi reconhecido como cidadão, também passa a não reconhecer o valor do outro”. Diante disso, os pobres (excluídos) – ao deixar de dar importância à vida dos privilegiados – acaba por matar um jovem, por exemplo, para conseguir um tênis.

3ª a das elites em relação a elas próprias. Imersos nesse caos, aumenta-se em progressão geométrica o consumo de drogas lícitas (tranquilizantes e antidepressivos) e ilícitas (cocaína), “plastificando” o afeto.

Em decorrência, é cada um por si, é salvar-se a si mesmo. Nada de projeto coletivo e a busca pelo sucesso individual, pelo bem-estar e pela realização pessoal acabam se tornando os aspectos mais importantes e dignos de consideração. Igualmente, o fracasso é visto como um horror. Diante disso, como uma sociedade se desenvolverá se o fracasso daqueles que vivem no seu interior não é superado, mas afastado (até a possibilidade de tê-lo).

Ainda a respeito da criminalidade, para Freire-Costa, “o que choca não é a quantidade de crimes, mas a indiferença, o desejo de destruir o que não queremos transformar”. Afinal, é só mais um “presunto”.

Será que tudo está dito? Não acredito. Os fatos parecem apontar outro aspecto. Refiro-me ao preconceito racial. Afinal, a polícia teria agido da mesma maneira se fosse no Leblon? Todos sabem que a maioria dos moradores das comunidades é formada por negros e pardos (expressão horrível) que sequer são reconhecidos como cidadãos. São pessoas invisíveis que quando estão trabalhando, vêm à cena apenas para manter o enredo, trazendo um copo de água, abrindo a porta da casa e do carro, participando de assaltos, sequestros...

Não há como não considerar que Benjamin foi morto por causa da banalização da violência, por ser negro e, em decorrência, invisível. Benjamin foi morto porque muitos pensam que o problema da violência no Brasil só será resolvido quando se flexibilizar e tornar cultura de massa a esterilização de homens e mulheres pobres, preferencialmente negros e detentos (independentemente de julgamento, pois isso pouco importa no Brasil atual).

Os leitores e as leitoras podem julgar que estou a carregar nas tintas. Entretanto, quando ouço professores e estudantes de cursos de Direito defenderem essas teses, é impossível pensar de outra maneira. Pelo contrário, fico a imaginar que o grande desejo é o de exterminar tudo que significa o diferente. Isso compreende as pessoas que apresentam opiniões divergentes, os afrodescendentes, os esteticamente fora dos padrões da mídia, os hetero e homossexuais, as mulheres, os povos indígenas, os refugiados, os pobres e as crianças, como ocorreu com o lindo querubim de nome Benjamin.

Dedico esse artigo à Constituição brasileira promulgada em 1988, recentemente, rasgada até por excelentíssimos ministros do Supremo Tribunal Federal.

 

 

*Nelson Pedro Silva

Professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Assis

 

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