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Domingo, 04 de Novembro de 2018, 12h:37

Como Portugal transformou seu sistema de ensino em um dos melhores do mundo

Por Débora Ramos

Da coluna Educação e Carreira
Artigo de responsabilidade do autor

Aprendizado das mães foi um dos grandes trunfos do país para melhorar resultados dos filhos no Pisa

Istock Photos

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A União Europeia passou a prestar atenção a um fenômeno interessante em um dos seus países-membros: Portugal, que ainda sente os efeitos da crise do euro, após 2008, apresenta melhorias nos índices de educação a cada ano.

O país conseguiu recentemente que seus alunos de 15 anos de idade se colocassem acima da média da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que agrupa as nações mais ricas do mundo, em três áreas de estudo avaliadas pelo Pisa (o principal índice educacional do mundo): ciências, leitura e matemática.

Desde que a OCDE começou a aplicar a pesquisa -- que se realiza a cada três anos desde 2000 --, Portugal está avançando lentamente há pelo menos uma década e meia, e nem mesmo durante os períodos mais duros da última crise, quando se reduziram os investimentos e houve um ajuste fiscal imposto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Central Europeu (BCE) e pela Comissão Europeia, essa evolução diminuiu de ritmo.

A consistência dos resultados foi alcançada sem nenhuma estratégia educacional inovadora, mas apenas investindo em pessoas que compõem a comunidade escolar, especialmente as mães e as crianças até seis anos de idade.

Apesar dos índices positivos, muita gente acredita que há muito o que melhorar: o professor António Gomes, diretor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, por exemplo, recomendou prudência na leitura dos dados.

"O Pisa reflete um bom rendimento, mas não uma boa posição: Portugal está só ligeiramente acima da média da OCDE, que ocupa um lugar médio", disse ao jornal português Público.

Entre os 72 países que participam do teste, a pontuação de Portugal na última avaliação foi de oito pontos acima da média de ciências, cinco acima em leitura e dois pontos superiores em matemática. As taxas portuguesas situam o país entre os melhores do mundo, mas ainda longe do rendimento de sistemas educativos de referência internacional, como Cingapura, Finlândia, Hong Kong, Canadá e Suíça.

"O que o Pisa e outras avaliações nos mostram é que Portugal tem um nível de país desenvolvido, mas ainda está longe de se somar aos que estão na parte superior da lista", afirmou Gomes. No entanto, ele reconhece que não é casual que seu país demonstre avanços na avaliação.

Escolarização das mães
Durante os últimos 50 anos, Portugal conseguiu um desenvolvimento educativo que vai além do tamanho de suas escolas: vem de um esforço amplo para mudar seu status socioeconômico e cultural da população em geral, particularmente das comunidades de menor renda. Na década de 1970, o país universalizou a educação, conseguindo ainda naquela época ter todas suas crianças em idade escolar frequentando centros educativos.

Isso significa que os pais das crianças que hoje estão na escola são a primeira geração escolarizada, e isso, por sua vez, leva a outra maneira de educar e também a expectativas diferentes em relação ao curso acadêmico dos filhos. Em um período mais recente, entre 2003 e 2015, o número de mães que completaram o nível secundário subiu em 41%.

"O indicador que mais influencia no rendimento escolar é a educação e a escolarização das mães", afirmou Gomes ao Público. "Se hoje temos mães mais educadas e mais apoiadas, é natural que a gente tenha crianças mais capazes de entrar na escola, de se acostumar e evoluir nela", concluiu.

Os dados também refletem quando o tema é graduação: se, em 1990, Portugal tinha 157 mil universitários, hoje esse número é de 372 mil. Nos últimos anos, cresceu significativamente o volume de estudantes brasileiros que viajam ao país europeu em busca de um curso superior.

Outro aspecto positivo tem a ver com a primeira infância: a mortalidade infantil em menores de cinco anos em Portugal caiu em 94% desde 1970, segundo o Unicef. Um relatório de 2017 também indica que só 15 países, entre eles Portugal, adotaram três políticas nacionais básicas para apoiar os pais de bebês e crianças pequenas durante o período mais crítico do seu desenvolvimento.

No entanto, Gomes destaca que esse é um desafio para o qual o Estado e a sociedade portugueses ainda necessitam se mobilizar, ampliando a oferta de jardins de infância para todos.

De acordo com uma nova pesquisa publicada recentemente pela OCDE, apesar dos recentes avanços, Portugal está entre os países mais desiguais da organização, com uma grande proporção de adultos sem educação e níveis de desigualdade de renda acima da média.

O grupo dos 10% mais ricos tem um rendimento quase cinco vezes superior aos 10% mais pobres, e a diferença está relacionada à baixa educação da população, já que 55% das pessoas entre 18 e 64 anos não concluíram o nível secundário.

"Os países que apresentam melhores resultados educativos são aqueles são mais coesos socialmente", disse Gomes, adicionando que essas sociedades também tendem a ser menos violentas, mais eficientes, mais igualitárias e com mais qualidade de vida e bem-estar. A opinião dele é que a Finlândia, hoje referência em educação, foi o "primeiro aluno aplicado", ao garantir um equilíbrio de suas políticas sociais e criar um desenvolvimento sustentável. O Pisa simplesmente mostrou essa consistência, acredita o professor.